Nunca na história desse país se viu rico ficar na cadeia por muito tempo, qualquer que seja o crime. Mas, aqui e ali, alguém tenta, e pode ser que um dia dê certo, e comece um movimento maior de combate aos grandes parasitas, aqueles que enriquecem às custas da sonegação, da corrupção, da lavagem de dinheiro e de outros mecanismos inacessíveis aos mais pobres, que acabam se sujando por roubar galinhas e roupas no varal.
A prisão da dona da Daslu, Eliane Tranchesi, fez cair a ficha de muita gente que está devendo e acha que nunca vai pagar. A coisa foi tão séria, que a grande mídia rifou a defesa dos políticos envolvidos nas contribuições da Camargo Correia para centrar fogo na defesa dessa pobre, digo, rica coitada, que conseguiu sair do xadrez por motivos de doença. E ainda levou mais dois que estavam com ela, sem doença nenhuma.
Os editoriais da Veja e da Isto É são reveladores. Editoriais são a palavra dos donos dos meios de comunicação, carregados dos seus valores. E, em ambos, se nota a tentativa de dizer que o governo começou uma caça aos ricos, num viés ideológicos, e que as punições são exageradas, injustas, já que são maiores que as aplicadas a um Fernandinho Beira-Mar.
A capa da Isto é traz a sonegadora mais chic do Brasil e a manchete: "Eliana Tranchesi proprietária da Daslu, condenada a 94 anos de prisão : EXAGERO OU JUSTIÇA?". O seu editorial "Perseguições, penas e crimes", a revista fala numa "nova era policialesca" onde políticos e empresários são alvo de acusações e prisões ruidosas. Rebaixa a qualidade do processo judiciário, dizendo que as penas são baseadas em gravações secretas, atuação política de juízes e delegados, etc. Diz que a política sai atrás de símbolos, quanto mais poderosos, melhor, para fugir á pecha de que só persegue os pobres. E conclui que, no caso da Daslu, há sinais de exageros, já que a executiva não apresentava ameaça às investigações. Em suma, vê riscos ao estado de direito quando rico vai à cadeia, porque alguma coisa deve estar fora da ordem.
A "Carta ao Leitor" da VEJA é mais ideológica. Defende o direito dos ricos ao luxo. E diz ser populismo rasteiro enxergar na punição da sonegadora a condenação a todos os mais abastados, tidos como inimputáveis. Nesses tempos de crise onde os culpados são os mais ricos, o pavor de uma nova Bastilha é expresso: "A caça aos ricos é uma tentação suicida que, como demonstra a história, só produz mais miséria moral, política, econômica e social". Diz que a indústria do luxo cria empregos, e que as pessoas têm a liberdade individual para comprá-los. Conclui que a prisão de Eliana talvez marque o fim da era em que os ricos e com boas conexões políticas podiam tocar seus negócios livres dos impostos, fora do alcance das leis e ao arrepio de todas as regras comerciais.
Essa última frase pode ser a chave para uma defesa tão incisiva de privilégios aos ricos presos. Há um volume de mais de R$ 200 bilhões em sonegações de impostos, e a Receita Federal está intimando os devedores ao pagamento. Fora isso, há investigações de movimentações financeiras incompatíveis com rendas, sinais aparentes de riqueza sem justificativas, operações de lavagem de dinheiro que certamente colocarão muitos VIPs nas colunas policiais. Vai faltar presídio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário