É desejável que a máquina do Estado seja republicana, que não sofra intervenções políticas de governos dos diversos matizes ideológicos. O Estado, a serviço de um grupo político, é uma arma poderosa na perseguição a opositores e privilegiamento aos seguidores. Para garantir a utópica isenção da máquina pública é que existem a estabilidade e o acesso por concursos públicos.
Os neoliberais, no desmonte do Estado, criaram as Agências Reguladoras e os marcos regulatórios para diversos negócios nas áreas mais rentáveis, como energia, telecomunicações e transportes, ao mesmo tempo que desmontaram a participação estatal nessas áreas. Somente a Petrobrás sobreviveu, mesmo com a criacão da ANP. Para essas agências foram criadas regras de nomeação para os cargos de direção que praticamente tiram do governo o poder de gestão. O mesmo queriam para o Banco Central, que o governo Lula vem informalmente aceitando, com os superpoderes do tucano Meireles à frente da instituição, apesar dos clamores por queda na taxa de juros.
No caso da Receita Federal há verdades para todos os gostos. Os demissionários ocupavam cargos de confiança, mutáveis a cada alteração de comando, como ocorreu com a demissão da ex-secretária Lina. Foram escolhidos por ela, e o novo secretário Cartaxo pode mantê-los ou substituí-los dentro das suas alçadas administrativas. Preferiram deixar os cargos e sair municiando a campanha oposicionista, demonstrando que não eram tão "técnicos" e "isentos" assim. Como naquela estória: se alguém vir um jabuti numa árvore será porque alguém o colocou lá, já que jabutis não sobem em árvores. Alguém os nomeou, e esse alguém era indicado por um governo, que é eleito e tem suas visões políticas.
O aparelhamento político do Estado é um vício de todos os governos. A contrapartida é o corporativismo, a criação de "núcleos duros" dentro das instituições, grupelhos de poder que regem, fora do alcance político externo, todas as políticas de promoções, nomeações nas carreiras, criando um poder acima do poder externo baseado no "beija-mão" , tipo "eu te promovo, você me deve fidelidade". É a degeneração dos princípios da autonomia e independência, que valem apenas perante a sociedade que elege os dirigentes que nomeiam legitimamente os gestores maiores, e passam todo o poder a esquemas corporativos.
No governo Lula não foi diferente. Nomeações políticas em escalões normalmente abrangidos por planos de carreira até hoje acontecem, detonando as regras no preenchimento de cargos e funções. Isso cria revoltas nos escalões mais baixos contra a intervenção política, que ajuda o discurso do "hardcore" do poder interno na defesa dos seus interesses. Numa certa empresa de economia mista , o poder interno detonou quase todos os dirigentes nomeados pelo PT, até porque estes não tinham as condições técnicas para os cargos e pisaram na bola. Agiram como anticorpos à gestão governamental. E ganharam o apoio dos escalões inferiores, colocando-se como seus "protetores".
Na defesa dos seus privilégios, o grupo seguia o discurso de "empresa de mercado" para blindar da intervenção política a instituição. Eram politicamente neoliberais, mas em alguns momentos juraram amores ao petismo para sobreviver. Apesar de continuarem ativos e operantes, viram o governo intervir pesadamente para mudar a orientação da empresa e fazê-la servir como instrumento de política pública no combate à crise econômica. Como bons camaleões, adaptaram-se aos novos tempos e aparentam rezar pelo novo catecismo, protegendo-se como grupo, esperando a hora de dar um novo bote. Ninguém entregou seus cargos no episódio da intervenção.
É bastante digno que uma equipe entregue seus cargos logo que o chefe que os nomeou seja exonerado, afinal, no caso de Lina houve ruptura da confiança que a colocou como secretária, e isso se propaga aos demais. É diferente de um licenciamento ou saída a pedido, quando os nomeados devem aguardar o retorno ou a nomeação de um novo dirigente para serem mantidos ou substituídos, sem solução de continuidade na gestão. Deviam ter entregado os cargos logo que ela saiu, e não agora que se criou antipatia interna pelo uso de Lina como arma para destruir a candidatura Dilma. O uso político e demagógico dessas exonerações é uma outra forma de intervenção na Receita Federal, pois fortalece as "patotas" corporativas de altos cargos que resistem a qualquer governo para a manutenção de benesses, em detrimento do interesse público.
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