O carnaval tem uma vertente saudável, da festa do povo, da alegria anônima, do desabafo de tensões em meio à brincadeira. Essa é a que leva milhões aos blocos, que vão de meia-dúzia batendo lata a gigantes como o Galo da Madrugada em Recife, e o Cordão do Bola Preta e a Banda de Ipanema, no Rio. E ao carnaval pasteurizado de Salvador, dentro de cordões que privatizam os espaços junto aos trios elétricos para alegria de alguns que podem pagar caro por um abadá.
O carnaval midiático, entretanto, apropria-se do sentimento popular e faz dinheiro promovendo celebridades instantâneas, políticos e valores que pouco têm a ver com as origens da festa. Essa intervenção afastou muita gente por pelo menos duas décadas no Rio, e agora, felizmente, está havendo a retomada lenta e gradual dos blocos, pela base. Os bailes de clubes se acabaram. Os sambas de muitas escolas viraram jingles de propaganda de quem pode pagar uns R$ 3 milhões para patrocinar um desfile no primeiro grupo. Os 50 anos de Brasília estão nessa aí, com a Beija-Flor de Nilópolis. Uma hora e vinte de TV para o mundo todo por esse valor é uma propaganda relativamente barata.
A festa nas ruas, ressalvadas as boas exceções, virou ambiente para arrastões e excessos com drogas e muito álcool, um vale-tudo que cada vez mais deixa pessoas em casa acompanhado tudo à distância pela TV. Parece proposital, deixando boa parte das pessoas refém da programação da mídia. E daí vem a audiência para promover um bando de medíocres, que fazem de tudo para aparecer diante das câmeras.
Fama rende dinheiro e / ou poder. Trabalho, nem sempre. Uma aluna que vai de saia curta a uma universidade direitista e é hostilizada vira destaque em trio elétrico e fatura em cima da sua "celebridade" um dinheiro que não ganharia a vida toda formando-se pelo estudo. Pessoas que tiveram suas vidas devassadas em programas de voyeurismo televisivo tomam os espaços de destaque que deveriam ser destinados à promoção dos que fazem coisas para a melhoria de vida das pessoas. Políticos que não sabem a letra de uma música de carnaval nem têm o menor jeito para sambar saem pelos principais pontos de aglomeração buscando projeção.
Coincidentemente, hoje vi o filme "Ed TV", na MGM, que fala de um programa tipo BBB de um cara só, que é acompanhado o tempo todo pelas câmeras de TV. Ed era um cidadão comum, que acaba se tornando celebridade e tem problemas com isso, e não consegue se livrar facilmente do contrato nem do assédio das pessoas, com a vida totalmente exposta. O filme é uma crítica a esse tipo de promoção da mediocridade da vida das pessoas. Numa cena que mostra um debate de intelectuais sobre o filma, inclusive Michael Moore, onde um deles diz uma frase que resume o que vemos em todo lugar, ainda mais aqui onde o pior da colonização cultural americana atinge a um grande segmento da classe média:
" Na América, as pessoas se tornavam famosas por fazerem algo especial. Agora, tornam-se especiais por serem famosas".
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