A diplomacia tem coisas paradoxais. Aparentemente, a crise das potências em relação ao Irã seria causada pela suspeita de uso de material nuclear para fabricação de armas nucleares. O próprio Irã inflou essa versão, mostrando mísseis com alcance para atingir Israel e várias unidades nucleares, além de declarar ter conseguido processar urânio bastante enriquecido, ainda insuficiente para provocar a reação nuclear necessária para a produção de armas, mas o bastante para atemorizar Israel, a quem Ahmadinejad ameaçou varrer do mapa e provocou dizendo que o holocausto não teria existido, e que apenas serviu para justificar a criação de um estado para os judeus em terras árabes.
Não alinhado ao discurso das grandes potências, mas não se colocando sistematicamente ao lado dos tradicionais países do "eixo do mal" (Coréia do Norte, Irã, Venezuela, Cuba) na visão norte-americana, o Brasil vem diplomaticamente construindo uma posição de liderança entre os países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, atuando com eficiência nos fóruns internacionais, questionando as grandes potências e se colocando como "player" global, soberano, tendo no carisma de Lula e na inteligência de Celso Amorim fortes elementos para a construção dessa imagem.
Os interesses americanos e de Israel foram seriamente contrariados com o acordo conseguido pelo Brasil e pela Turquia com o Irã. A eles não interessa esfriar a crise, mas criar as condições diplomáticas para justificar a intervenção militar, a exemplo do Iraque, que teria armas de destruição em massa nunca encontradas. Menos que combater o terrorismo, o que interessa mesmo é o petróleo, que já está escasso nos EUA e em outras potências.
Israel não é uma democracia. Comporta-se como os demais países da região, em termos de fundamentalismo religioso e intolerância. Mantém a Faixa de Gaza como um gueto onde se pode matar e demolir tudo sem nenhuma preocupação com a opinião do resto do mundo. Discrimina os árabes abertamente. Ontem impediram o acesso do prestigiado articulista americano Noam Chomsky à Faixa de Gaza, onde faria uma palestra aos palestinos. Chomsky é judeu, critica Israel, e por isso mesmo sofreu censura. Nos últimos dias a esquerda de Israel vem fazendo protestos em Jerusalem contra a ocupação de territórios árabes, mas nada disso ganha destaque na imprensa mundial.
Para Israel e EUA, não existe solução para o Irã que não seja a aniquilação, a exemplo do Iraque. As sanções econômicas não funcionam, pois sempre haverá interesses econômicos para manter os fluxos comerciais, mesmo que por baixo dos panos. Ninguém tem certeza se o Irã já tem a bomba nuclear, nem poderá afirmar que o acordo proposto hoje evitará a continuidade de pesquisas clandestinas. Ambos precisavam que Lula fracassasse na tentativa de um acordo. Hillary Clinton chegou a prever o fracasso. Mas aí está um acordo, que ajuda a desmontar a versão da intransigência do Irã em negociar que poderia justificar mais sanções.
Israel e os Estados Unidos ficam nus com esse acordo. Trabalharão para detoná-lo, e para criar versões diplomáticas que justifiquem a agressão militar. Perderam o mote diplomático, o da farsa da saída negociada. Lula, paradoxalmente, pode ser candidato ao Nobel da Paz e, ao mesmo tempo, a inimigo público número 1 dos interesses geopolíticos americanos na região. Sua visita ao Irã foi vista por alguns como a última chance para a paz. Paradoxalmente, a iniciativa de paz pode ter aberto o caminho para a guerra.
Excelente análise, Branquinho! Parabéns e um grande abraço!
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