Mesmo que se erradicasse hoje o crime organizado, por muito tempo ficaria a cultura do medo de décadas de impunidade. Medo de encarar alguém potencialmente perigoso, dados os inúmeros casos cotidianos de violência contra quem tentou mudar a ordem das coisas. É nesse clima que a extorsão impera. Não só a organizada, da milícia (vide Tropa de Elite 2) ou das facções do tráfico, mas a individual, independente, do "caô".
Assim como algumas pessoas, ainda baseadas no tempo da capital no Rio ou da ditadura militar dão suas carteiradas de autoridade (sabe com quem está falando?), deixando no ar implicitamente a possibilidade de perigo a quem a confronte, marginais fazem o mesmo, na forma de ameaças verbais, que mexem no subconsciente do achacado e produzem o efeito desejado da extorsão.
Isso pode acontecer em outros lugares onde prevaleça a lei do mais forte, mas no Rio basta uma oportunidade para aparecer, do nada, alguém cobrando uma "taxa" de alguma coisa. Um exemplo clássico é o do estacionamento em eventos. Mesmo a pessoa pagando o Vaga Certa, que é o estacionamento legal de R$ 2,00, aparece um vagabundo e cobra "por fora" uma quantia bem maior, a título de "proteção". Normalmente as pessoas pagam, porque a "tarifa" é cobrada na hora, à vista, temendo danos ao veículo. O normal é não encarar, mesmo que o sujeito não demonstre ter armas, mas pode ter alguém por perto dando cobertura.
O mesmo acontece quando o tráfico manda fechar o comércio. Mandam menores passar nos estabelecimentos, em ritmo acelerado, gritando "o chefe mandou fechar tudo", e os comerciantes acatam. Ninguém vai saber se foi um trote dos moleques ou se há algo de verdade nisso, e, na dúvida, acata à "autoridade".
Agora os táxis entraram na onda, já que o programa Lei Seca está realmente deixando os cariocas preocupados com o beber e dirigir, saindo sem carro . Há muitos casos de taxistas cobrando fora do taxímetro pela oportunidade. Uma corrida que sairia por uns R$ 20, mesmo na bandeira 2, vira R$ 50. Na moral. Se não pagar, o usuário terá que procurar outro local afastado do ponto de táxi para pegar um avulso, o que pode ser perigoso à noite.
Até no Aeroporto Santos Dumont, onde com frequencia embarcou ou chego ao Rio, um taxista do esquema que manda no pedaço noutro dia tentou cobrar por volume de bagagem, mesmo uma simples mala de mão. Nunca vi essa cobrança. Mas o sujeito tentou, pensando que era um turista, que mesmo não sendo vítima da cultura do medo, não quer correr riscos pela fama do Rio.
No domingo passado houve vestibular da UFRJ, e a marginalidade parece ter faro para a agenda de eventos. No caminho para deixar meu filho e para fazer a prova passei em vários locais de prova, e lá estavam as "autoridades", pulando na frente dos carros para oferecer as vagas públicas. Quase me envolvi num acidente próximo ao meu local de prova, pois ia estacionar o carro e um sujeito pulou na minha frente para indicar a vaga que eu já sabia que existia, incluindo nisso o seu "serviço". Sabendo do esquema, dei um tempo no carro até que se afastasse, saltei rápido e o cara veio na minha direção dizendo: "aí, doutor, é cinco real prá parar o carro". Fui atravessando a rua e argumentando que só pagaria na volta, deixando-o muito irritado, xingando-me, etc.
Imediatamente liguei para o 190 da PM, fui bem atendido, não pediram nenhum dado além do local da extorsão e a descrição do criminoso. A atendente me disse que há havia outras denúncias na Tijuca, até em frente ao Colégio Militar. Fiquei de longe vendo se haveria danos ao carro, e em poucos minutos uma patrulha parou no local, abordou o sujeito e o mandou sair dali, ficando por alguns minutos para ver se voltava. Mais tarde, quando fui sair, olhei com cuidado as vizinhanças, entrei no veículo e caí fora rapidinho. Fiz a minha parte, mas, quem mais faz?
O carioca precisa ousar mais. Tem o disque-denúncia para receber anonimamente as informações. Se tiver paranóia de usar o celular ou o telefone fixo, porque a polícia tem bina e, quem sabe, pode passar a informação a bandidos, pode ligar de um orelhão. A prefeitura tem o telefone do Choque de Ordem, para denunciar os abusos no uso do solo urbano. Tem telefones para denunciar som alto. Uns poucos usam suas ferramentas de cidadania, mas a imensa maioria prefere reclamar e se acovardar diante dos abusos. Não será Copa ou Olimpiada que resolverá esses problemas pelos cariocas.
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