Sou um dos poucos ouvintes eventuais da Voz do Brasil, programa oficial ameaçado pela grande mídia a pretexto da baixa audiência em horário nobre. Vez por outra aparece uma notícia que não sai em nenhum lugar, e na última quarta-feira ouvi que os trabalhadores de processamento de aves, aqueles que desossam, separam os cortes e embalam os animais, são vítimas de Lesões por Esforços Repetitivos (LER) devido à grande quantidade de movimentos que fazem com alta frequência, tangidos por exigências de produtividade.
O problema piorou com o forte ritmo de exportações, com a exigência de padrões internacionais, com o domínio do setor por empresas multinacionais e com a vantagem competitiva do Brasil no cenário da gripe aviária. A CUT quer que o Ministério do Trabalho ponha fim a essa crescente superexploração, que vem levando cada vez mais mulheres à doença, com sequelas definitivas. Tenta-se estabelecer limites ao trabalho tangido por metas abusivas, comum a várias categorias, até urbanas, como a dos bancários.
Juntei essa informação que não foi repetida pela grande mídia, parceira por ação ou omissão do capital explorador, com estudos da Universidade de Brasília, publicados pela sua excelente revista Darcy (número 5 - nov/dez 2010), consolidados no dossiê "Um novo retrato da escravidão". No texto "A escravidão reescrita" o pesquisador Flávio Versiani afirma que as senzalas lotadas de escravos não correspondem à realidade do Brasil durante o Império, e que a imagem mais correta seria a de famílias com um ou dois trabalhadores negros. Em Recife, os pequenos senhores correspondiam a mais de 70% dos proprietários de escravos, que eram usados em trabalhos domésticos, fretes e entregas, trabalhos manuais ou podiam ser terceirizados.
No texto "A lógica econômica do trabalho escravo", o mesmo autor afirma que a maximização do trabalho de um escravo era obtida por métodos diferentes entre os aplicados nas atividades braçais e os das mais "qualificadas". A dos primeiros era obtida pela coação do chicote do feitor, que os colocavam em atividades repetitivas por até 18 horas diárias. A produtividade poderia aumentar à medida que as ameaças se intensificassem. Assim, o trabalho escravo, em especial nos cafezais e culturas da cana, era incomparavelmente mais barato que o assalariado.
Já nos serviços onde a qualidade é mais importante que a quantidade (artesanato, mineração, culinária, pecuária), o controle não pode ser apenas pela coerção. A maximização da produtividade teria que contar com a cooperação do escravo, e para isso o uso de incentivos seria mais eficaz: melhor alimentação, melhores acomodações, promessa de alforria e outras "vantagens" sobre os cativos da atividade agro-exportadora. As relações de trabalho se aproximariam mais das entre patrões e trabalhadores livres, com maior custo.
Conclui o autor que, ao contrário da afirmação de Gilberto Freyre sobre a existência de uma escravidão comparativamente "benigna" no Brasil que no sul dos EUA, onde predominava a grande exploração agrícola dos escravos e, portanto, majoritariamente de gestão coercitiva, essa menor coerção não teria nada de benevolente. Os senhores simplesmente seguiriam a lógica dos seus interesses econômicos. Olhando para o nosso mercado de trabalho capitalista, a princípio de trabalhadores livres, vemos os mesmos princípios de gestão de recursos humanos usados desde os tempos mais primórdios. O chicote se sofisticou.
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