Todo fim de ano a mídia e as pessoas crédulas em geral bebem com muita ansiedade as previsões dos charlatães de plantão, aqueles que previrão nos próximos dias que importantes pessoas vão morrer, que vai acontecer uma tragédia violenta no Rio, um grande terremoto no Pacífico, inundações em São Paulo, etc. Lançam as previsões ao vento, e no ano seguinte ninguém corre atrás para ver se deram certo. É mais ou menos como horóscopo: cada um diz umas 10 coisas, e quando uma eventualmente se realiza, as pessoas só se lembram dela para afirmar que o astrólogo acertou, desprezando os erros.
Na política não é bem assim. Há as tendências, as análises de conjuntura, que passam pela economia, pelas tensões existentes, pelos posicionamentos institucionais, pelas habilidades das lideranças. As coisas não são tão imprevisíveis quanto a chutometria esotérica, nem cientificamente exatas. É nessa metodologia que vou arriscar o palpite para o governo Dilma nos próximos 4 anos.
Primeiro, será uma espécie de governo Lula sem Lula. Dilma já governa a máquina governamental desde 2005, e todas as realizações visíveis hoje podem ser creditado em parte ao seu trabalho como ministra de Minas e Energia e da Casa Civil. Ela teve a força para encarar e superar, quando precisou, os ministérios da área econômica, que tiveram que baixar o patamar do superávit primário para permitir a retomada dos investimentos.
Dilma não fez nenhuma concessão como a "Carta ao Povo Brasileiro", de Lula em 1992, onde antes de entrar já capitulou ante os poderosos. Também não tem o problema de auto-estima de classe de Lula, que se sentiu obrigado a mostrar que um homem do povo, operário, retirante nordestino, de baixa instrução poderia fazer o melhor governo que o Brasil já teve, mesmo seguindo receitas de sucesso da elite. Ela também não receberá uma herança maldita. Pelo contrário, receberá o país em condições inéditas positivamente em quase todos os indicadores.
A primeira mulher presidente também não terá solavancos na gestão. Pelo contrário, manteve praticamente as mesmas equipes de Lula, mudando para melhor em algumas áreas, como no Banco Central, retirando o banqueiro Meireles e colocando um funcionário de carreira que certamente fará menos resistências às políticas de redução de juros. Trouxe para o planejamento quem realmente planeja, desde o PAC, e começou o empoderamento feminino com a constituição de um ministério com 9 mulheres, o maior número de todos os tempos.
Dilma terá mais estabilidade congressual, já que agora o PMDB está amarrado ao governo por ter colocado o vice na chapa. Não poderão mais atuar como mercenários, cobrando preços políticos e cargos a cada projeto de interesse do governo. Com uma base de apoio respaldada por cargos importantes no governo, Dilma poderá promover as reformas necessárias para uma macro-reestruturação econômica, entre elas a tributária, que será urgente, depois que Lula vetar o projeto que rouba os royalties dos estados produtores de petróleo.
Se não houver uma nova turbulência internacional, Dilma voará em céus de brigadeiro por 4 anos. Possivelmente fará dois anos sem mexer no que já está em andamento, buscando mais eficiência na gestão para reduzir gastos e tentar, mantido o crescimento do PIB na faixa dos 5%, conseguir o superávit nominal nas contas públicas, uma das condições necessárias para promover uma forte queda nos juros básicos da economia. Se conseguir, chegará ao fim do mandato com resultados melhores que os deixados por Lula.
Na área social pouco deverá ser mexido, mantendo-se o Bolsa Família, acelerando-se projetos de inclusão digital e reforçando a educação básica. Herdará de Lula uma grande quantidade de novas escolas técnicas e universidades, que formarão novos profissionais depois do seu mandato, mas contribuirão para melhorar vários indicadores. Na saúde, não deverá voltar a CPMF, pelo menos como algo destacado da reforma tributária e dos fundos do pré-sal, que começarão a colocar dinheiro na economia por volta de 2012. Dilma inaugurará as principais obras de infra-estrutura dos últimos 30 anos, e deixará outras para o sucessor.
Na relação com os movimentos sociais, Dilma será mais pragmática que Lula, o que desagradará uma parte dos fisiologistas que hoje vendem a combatividade das entidades de trabalhadores por benesses do poder. O desgaste dessas lideranças resistiu a 8 anos de governo Lula, mas não resistirá ao governo Dilma mais por apodrecimento que pela competência das oposições de esquerda, que batem na mesma tecla há anos sem avanço real na direção dos movimentos.
O MST deverá continuar a fórmula de sucesso de sempre: ocupa aqui, pede ali, ganha lá mais espaços para a reforma agrária, sem nada que desestabilize a presidente petista. Os salários deverão continuar a recuperar poder de compra, especialmente o mínimo, mesmo com a mídia fazendo côro da iminente volta da inflação. Dilma, assim como Lula, não levará o Brasil ao paraíso socialista democrático. Mas melhorará as condições de vida da maioria, com foco na erradicação da miséria e da exclusão.
O diferencial qualitativo poderá vir no rastro da recente condenação do regime militar brasileiro por um tribunal da OEA, que exige punição aos torturadores. Dilma tem especial interesse no tema, e certamente fará esforços para tornar sem efeito a anistia aos criminosos que agiram em nome do estado. Outra diferença poderá vir com a regulamentação dos meios de comunicação, que existe em todo o mundo, mas no Brasil é a responsável pela concentração de mídias em poucas mãos, que constituem um estado paralelo.
A política externa deverá priorizar a soberania brasileira, a liderança continental e dos países emergentes, e a busca por poder na ONU. As relações com os EUA deverão se manter em banho-maria, como no governo Lula, e o imperialismo econômico brasileiro deverá continuar em expansão, com a agressividade que foi incentivada pelo atual governo e pelas boas ofertas no mundo desenvolvido em crise.
Capitais estrangeiros continuarão entrando para investimentos e especulação até que se retirem condições de atratividade, como novas tarifações ou queda dos juros reais. Em algum momento, pelo mercado ou artificialmente, o dólar começará a subir para não deixar a balança comercial ficar negativa, e a farra de viagens ao exterior deverá diminuir.
Parte das oposições aderirá ao governo para fugir ao isolamento ou do aniquilamento. O prefeito de São Paulo, Kassab, já demonstra que pode ir para o PMDB, Aécio pode ir por gravidade também, e alguns governantes, que poderão ser preteridos em prioridades orçamentarias por aliados do governo, também poderão abandonar o barco DEMO-Tucano. Se o movimento social fosse autônomo em sua maioria, poderia aproveitar o momento para emplacar reformas importantes, como a consolidação dos programas populares de Lula de forma definitiva, na lei.
O ceticismo me impede de ser otimista, mas essas previsões, ao meu ver, podem acontecer sem muito esforço. Acredito que Dilma poderá melhorar mais as coisas, pela boa base que recebeu de Lula. Tem caráter, é discreta, tem compromissos com a sua trajetória de lutas, e é uma gestora como há muito não vemos no setor público. Vamos conferir daqui a quatro anos.
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