domingo, 13 de março de 2011

Japão : vítima da eficiência

Continuo acompanhando as informações sobre a tragédia do Japão agora preocupado com a armadilha que a eficiência pode trazer à sobrevivência e mesmo recuperação do país. Durante décadas, empresas e governos japoneses desenvolveram sistemas extremamente eficientes, como o "just in time", onde a confiabilidade dos fornecimentos nas cadeias produtivas eliminou a formação de estoques.

Essa eficiência levou as indústrias a contar com a pontualidade das peças chegarem na hora adequada às linhas de montagem, sem dedicar espaços à estocagem, em perfeito sincronismo com os fornecedores. Os supermercados praticamente são abastecidos diretamente pelos fornecedores, que levam os produtos às prateleiras, sem passar pela formação de estoques. E os fabricantes de produtos alimentícios, por sua vez, mobilizam a fabricação a partir de pedidos on-line.

Em suma: em poucas horas ou dias uma ordem de compra é disparada e as fábricas, cada vez mais flexíveis para a produção personalizada, executam em poucas horas os pedidos, acionando em cadeia os fornecedores. Quando tudo funciona direito, as empresas ganham mais, porque não precisam de imóveis (ainda mais no Japão, caríssimos) para guardar estoques, e não imobilizam capital com a formação deles.

Aí vem o terremoto. As principais indústrias e empresas já têm algumas securitizações para esse problema corriqueiro, com prédios de engenharia de ponta que resistem a abalos e treinamento para rápida recuperação. Aí vem o tsunami, acabando com as casas dos operários das empresas, com as ferrovias, os portos e instalações de água, energia e comunicações. Depois, os incêndios e o risco de vazamento de radiação em Fukusima, forçando a retirada de mais de 170 mil pessoas da área de uma usina nuclear.

Não há planejamento para prevenção de riscos nem defesa civil que segurem uma barra dessas, mesmo tendo o Japão se recuperado da destruição de duas cidades com centenas de milhares de mortos por ataques nucleares. No médio prazo, tudo voltará ao normal, exceto os mais de 10 mil que provavelmente morreram. No entanto, o que se vê agora é a falta de comida, combustíveis e o racionamento de energia e água. Os supermercados que não foram alagados não têm estoques. As pessoas que moram nos cubículos habitacionais japoneses não têm onde estocar alimentos, criando uma emergência alimentar instantânea.

Por conta do rompimento das cadeias produtivas "just in time", a Toyota já resolveu parar a produção de veículos no país, mesmo tendo fábricas em outros lugares. As usinas nucleares desativadas fazem falta ao suprimento de energia, obrigando ao racionamento. Parece que a cultura da eficiência não criou sobras realocáveis nesta hora de dificuldades. Como o Japão é um país rico e organizado, em pouco tempo esses problemas serão resolvidos, justamente pela própria cultura de eficiência que os vitimará por uns dias.

Um comentário:

  1. Parabéns por sua análise desse aspecto da catástrofe no Japão. De fato, ninguém está falando disso na mídia, e você teve essa percepção.
    Isso mostra que a eficiência é um valor relativo. Para as empresas, tal sistema "just in time" é eficiente. Porém, diante dessa emergência, não.
    Abraços.
    Marcelo - São Paulo

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