A partir desses fatos, e diante de realidades de injustiças que levam esses povos à penúria, enquanto uma minoria rica e perdulária constrói palácios, outras revoltas populares surgiram no Iêmen, Argélia, Marrocos, Arábia Saudita, Bahrein e outros países árabes.
No Egito e na Tunísia, as manifestações foram suficientes para dar a impressão de alguma mudança, e do caos surgiu uma nova ordem. A intervenção americana para criar governos de transição que mantenham tudo como está com roupagem mais democrática impediu a elevação da temperatura das revoltas. Por ora, egípcios e tunisianos acham que em breve terão eleições, que tudo vai melhorar, etc.
Nos demais países onde não houve confronto mais violento, há ditadores fazendo concessões através de programas de distribuição de renda, e mantém sob controle o nível de descontentamento. Pode ser que algum fato realimente a revolta popular e derrube esses governantes, mas, por ora, só há enfrentamentos controláveis pelos estados.
Na Líbia a coisa foi diferente. Tem petróleo. Tem um ditador camaleônico, que ora é um "socialista árabe", e depois se torna aliado do imperialismo. O país é um mosaico de tribos que historicamente se odeiam, que só não fracionam a Líbia como aconteceu com a Iugoslávia porque tem um regime de mão pesada que garante a coesão do estado.
As oposições líbias, apesar do esforço de unificar uma direção, são incipientes politicamente, não têm praticamente visibilidade externa, apesar de muitas estarem no exílio, e cometeram um fatal erro de avaliação de conjuntura. Acreditaram na vitória do descontentamento popular se espalhando pelo país inteiro, inclusive Trípoli, a capital, com resultado em poucos dias. Para o sonho de libertação contribuiu a deserção de militares, que a eles se juntaram, e autoridades do próprio governo Kadafi.
Mais ainda: o pragmatismo internacional em relação ao governo líbio esconde a reprovação pelo ditador. Nem a comunidade árabe simpatiza com Kadafi. Por fim, acreditaram que essa antipatia a Kadafi renderia uma intervenção internacional, facilitando as coisas. Nisso erraram feio: as potências ocidentais, em especial os Estados Unidos, que oferecem a principal resistência à intervenção militar, deixaram Kadafi ganhar tempo para reorganizar suas milícias, segurar o avanço dos rebeldes, já militarizados, e partir para o contra-ataque cruel e impiedoso.
Os opositores agora imploram pela criação de uma zona de exclusão aérea, um ato de guerra das potências a Kadafi, mas isso não acontecerá. Os EUA têm a convicção da derrota dos rebeldes, da manutenção da família Kadafi no poder, e com certeza o exemplo da contra-revolução servirá para aplacar o ímpeto de outras oposições e justificar banhos de sangue em outros países onde não há interesse em mudar o "status quo".
Pode parecer não ter nada a ver, mas a tragédia japonesa contribuiu para jogar mais uma pá de cal sobre a rebelião líbia. Simplesmente as coberturas jornalísticas, que já estavam difíceis com a prisão e expulsão de repórteres estrangeiros e obstrução da Internet, ficaram mais escassas porque todo o tempo dado ao noticiário internacional agora pertence às imagens da destruição no Japão.
Acossados por uma força militar assimétrica, pelos problemas de logística, e principalmente pela direção do movimento rebelde ter errado na avaliação de correlação de forças, logo haverá pânico entre os revoltosos. Kadafi já está oferecendo recompensa pela prisão dos líderes, e anistia para quem entregar as armas. Começa a faltar comida e água para as cidades e militares rebeldes.
Não haverá, pelo menos em uma semana, qualquer iniciativa militar por parte do ocidente. Enquanto isso, as tropas de Kadafi ganham moral e poderão atacar os últimos redutos revoltados em poucos dias, com a dispersão desorganizada e fuga das lideranças e ativistas para outros países, na melhor hipótese. Quem ficar, será dizimado. A conjuntura está do jeito que o Kadafi gosta.
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