segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Muro de Berlim : 50 anos da construção


O combate à estupidez do nazismo custou ao povo alemão uma derrota sangrenta com grande destruição do país, e m todos os sentidos.Pior: a Alemanha no pós-guerra de 1945 foi fatiada em 4 partes sob controle das potências vencedoras : União Soviética, Inglaterra, Estados Unidos e França. A cada uma coube uma zona de domínio, sendo a maior a da antiga URSS. Esse território se tornou a partir de 1949 a República Democrática da Alemanha (RDA), mais conhecida como Alemanha Oriental. Além disso, perdeu territórios para a Polônia e para a URSS, e teria que pagar reparações de guerra aos vencedores.

Berlim era a capital da Alemanha até a segunda guerra mundial, e capitulou diante das tropas soviéticas e polonesas em 8 de maio de 1945, data que marca o fim da guerra na Europa. A cidade, que era a sede de governo, foi dividida também em quatro partes, mais da metade controlada por forças soviéticas, que não tinham nenhuma barreira, permitindo a livre circulação dos habitantes. Como a cidade estava completamente cercada por territórios dominados pelos soviéticos, o acesso era feito para o lado ocidental por via aérea ou por trens autorizados pela URSS. A idéia inicial era fazer dessa Berlim dividida o embrião de capital da Alemanha pós-nazista.

Veio a Guerra Fria, com a radicalização do confronto diplomático entre os países capitalistas, liderados pelos Estados Unidos, e o bloco dito socialista, controlado pela União Soviética de Joseph Stalin. Em 1949, foi criada a República Federal da Alemanha, nos territórios ocupados pelas tropas ocidentais, reunificando essa parte do território. Em contrapartida, foi criada a República Democrática da Alemanha, ou Alemanha Oriental, controlada pelos soviéticos e dirigida pelos comunistas alemães.


Com os financiamentos do Plano Marshall para reconstrução, grandes investimentos foram feitos na Alemanha Ocidental para reerguer-se, inclusive em Berlim Ocidental. Do lado dito socialista, ampliou-se a proteção do estado na forma de serviços de previdência social, saúde e educação públicas, estatização das empresas, etc. O lado ocidental, temendo que essas vantagens sociais se tornassem um atrativo para o crescimento do movimento comunista na Alemanha Ocidental, passaram a fornecer benefícios similares, que foram copiados por toda a Europa como prevenção ao socialismo, o "estado do bem estar social" ou " welfare state".

Os alemães de Berlim passaram a optar entre essas duas realidades, vencendo a do apelo consumista do ocidente, com consequente migração para Berlim Ocidental. Para estancar o fluxo, em 13 de agosto de 1961 a RDA resolveu fechar todos os acessos a Berlim Ocidental, e começou a ser construído um muro em torno de toda a área da cidade dominada pelos ingleses, franceses e americanos. A todo momento o mundo se via diante do perigo de um confronto nuclear entre os blocos capitalista e o dito comunista, com provocações e blefes de lado a lado. Apesar do ocidente ter-se apropriado da idéia do muro ser uma prova da opressão soviética, alguns de seus líderes acharam que era uma boa solução para evitar uma guerra maior, e não se opuseram fortemente à construção, tornando a vergonha consensual:

Reações internacionais, 1961:

  • A solução não é muito linda, mas mil vezes melhor do que uma guerra. John F. Kennedy, presidente dos EUA.
  • Os alemães orientais param o fluxo de refugiados e desculpam-se com uma cortina de ferro ainda mais densa. Isto não é ilegal. Harold Macmillan, primeiro-ministro britânico.

O Muro de Berlim passou a ser o símbolo da divisão geopolítica do mundo entre o ocidente, capitalista, e o oriente dito comunista. Muita gente morreu tentando atravessar de um lado para o outro, pois era uma fortificação com cercas eletrificadas, torres com metralhadoras, cães, soldados, etc. Berlim Ocidental passou a ser uma espécie de oásis para os alemães que queriam migrar. Como era uma área ilhada pelo muro, a única forma de chegar lá era passando por ele.

Na década de 70, o chanceler alemão ocidental Willy Brandt começou uma política de aproximação entre as duas alemanhas, a "Ostpolitik". Foi o primeiro passo para discutir a reunificação, embora com poucos resultados práticos.

Com o fim da URSS na década de 80 e o afrouxamento do domínio soviético sobre a Alemanha Oriental, debates no interior do próprio partido comunista alemão e mobilizações populares começaram a luta pela flexibilização do regime e da odiada polícia política Stasi. Como a Rússia não se opôs com veemência a essa liberalização, a questão ficou relegada aos próprios alemães. Do lado ocidental, e na Alemanha Oriental como um todo, houve crescentes manifestações contra o governo de Egon Krenz pedindo liberdade para viajar para o lado ocidental. Os alemães já haviam descoberto que podiam sair pela Hungria e outros países do bloco pró-soviético, que flexibilizaram suas fronteiras para o ocidente. Seria uma questão de tempo a perda de função do entulho da guerra fria.

Em 9 de novembro de 1989 foram abertos os postos de controle da cidade, não sem luta: muitos morreram forçando essas passagens, mas num certo momento os soldados da RDA aderiram ao movimento e deixaram acontecer. Pessoas dos dois lados com picaretas e marteletes começaram a quebrar o muro. Em 1990, por um acordo entre os governo ocidental e oriental, a Alemanha começou a ser reunificada. Atraídos pela distribuição de moeda ocidental, os orientais foram ao paraíso do consumo até cairem na realidade da armadilha, que não durou muito. Os direitos sociais conquistados foram removidos com o tempo, e a exploração capitalista apropriou-se de mais-valia inédita com o uso da mão-de-obra qualificada e barata dos orientais.

Alguns consideraram a queda do muro com a vitória final do capitalismo sobre o socialismo. Menos de 20 anos depois, as crises do capital mostram que a coisa não é bem assim, pois o mercado mostra-se incapaz de dar soluções aos problemas da maioria das pessoas no mundo, e terá que ser substituído por um novo modo de produção que não exija a construção de novos muros de exclusão.

Estive em Berlim, por acaso, quando da comemoração dos 20 anos da queda do muro. Na Alexanderplatz havia uma grande exposição de fotos e textos contando a história dos anos de divisão. O Museu do Muro, que fica ao lado do Charlie Checkpoint, uma das passagens entre as duas Berlim, tem uma ala mostrando como as pessoas faziam para burlar a vigilância e passar de um lado a outro. E as tentativas frustradas também. E até a curiosa tentativa de um grupo de ocidentais que subiram no muro para tentar ir no sentido contrário, fugindo da dominação dos ocidentais.

O Muro de Berlim, assim como o muro que os americanos construíram na sua fronteira com o México (estranhamente poucos falam da sua existência...) e o muro que Israel construiu para encarcerar os palestinos são provas cabais da estupidez humana, da intolerância que separa povos em nome dos interesses de alguns poderosos. Separam mundos artificialmente construídos e principalmente as pessoas, famílias, culturas. O Muro de Berlim, também conhecido como Muro da Vergonha, levou a culpa por todos os outros muros que vieram a ser construídos depois, paradoxalmente alicerçados em idéias nazi-fascistas como a xenofobia e a afirmação de "superioridades" de alguns povos. Até dos muros invisíveis da exclusão social.

Paradoxalmente, hoje o que mais os turistas reclamam é da ausência do muro na cidade. Foi praticamente todo destruído, mas sua representação continua no chão e em alguns poucos trechos que funcionam como muro de propriedades. Pedaços do muro até hoje são oferecidos à venda por ambulantes como relíquias (fragmentos de concreto, sabe-se lá de que obra tirados...). Mesmo sem o muro, há duas Berlim, materializadas nos estilos dos prédios e nas soluções urbanísticas. Mais da metade da população é de estrangeiros, e cada vez é mais remota a lembrança da existência do incômodo muro que simbolizava a separação do mundo.

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