Lula disse ontem, ao ver boa parte de Teresina debaixo d´água, em tom de reflexão, que esteve lá em 2004 numa situação parecida, e que, na época, foram mandados recursos para a construção de casas para desabrigados, mas que parecia que, mesmo sabendo que as cheias poderiam se repetir, fizeram as casas novas nos mesmos lugares, e agora elas estariam alagadas e seus habitantes novamente desabrigados. Também refletiu sobre a necessidade de respeito a planos diretores nas cidades, comentário que considero, enfim, o melhor a se ouvir de um presidente.
Um plano diretor de desenvolvimento urbano é o assentamento das informações colhidas da geologia, da hidrologia, da meteorologia e de diversas outras ciências que incidem sobre o ambiente a ser ocupado. Ele deve dizer, por exemplo, que não se pode construir em áreas de preservação, que o gabarito (altura) do prédio não deve ser superior a certos parâmetros, que a densidade habitacional deve respeitar a possibilidade de construção de infra-estrutura, etc. As prefeituras, em primeira instância, são as responsáveis pelo embargo de construções em desatenção ao plano diretor, e pela remoção para áreas seguras das populações em áreas de risco ou de interesse ambiental, com a desativação ou proteção destas.
No início deste ano, assisti a uma palestra sobre ética num evento do CONFEA em Brasília, onde o palestrante abordou a responsabilidade técnica e ética sobre a destruição havida em Santa Catarina com as chuvas torrenciais. Falou que soube de casos onde engenheiros deveriam ter ordenado a desocupação imediata de casas em risco, mas cederam aos argumentos dos moradores que não teriam para onde ir, e algumas delas chegaram a cair, matando pessoas.
Claro que há subjetividade de uma análise de risco em meio a uma calamidade, pois tudo o que se pode ver, por exemplo, é que a encosta cedeu, que as casas acima dela podem cair, que há fissuras, que a demolição é necessária para a estabilização do maciço, etc. Pode ser que nada aconteça, mas pode acontecer, por isso, o conservadorismo é recomendado e a população deve ser retirada sem vacilação do profissional, a bem da sua segurança.
No Rio há uma política chamada Choque de Ordem, que tenta acabar com a prática do "Ilegal, e daí?" disseminada por falta de poder público por toda a cidade, e não apenas nas comunidades pobres. Uma das ações polêmicas é o impedimento do crescimento de construções em encostas, com a construção de muros limítrofes, por aspectos de preservação, já que as áreas invadidas dos morros são, em geral, da Floresta da Tijuca, e por razões de segurança, já que a remoção da vegetação fragiliza os taludes das encostas, agravando os deslizamentos. Isso é técnico e legalmente correto, mas politicamente atacável, já que não há política habitacional que atenda às necessidades de moradias de baixa renda próximas aos locais de trabalho, e o histórico no Rio é o da remoção de favelas para conjuntos habitacionais como a Cidade de Deus, Vila Kennedy e outros que se degeneraram com o tempo.
O crescimento desordenado gera as condições para que os fenômenos naturais tenham efeitos mais implacáveis que na situação anterior, de baixa ocupação. E, o que é pior, as condições técnicas conhecidas até aqui começaram a mudar sob efeito do aquecimento global. No caso de São Paulo, praticamente todo o solo foi impermeabilizado, e não há políticas de aproveitamento ou retenção das águas pluviais superficiais, causando cada vez mais enchentes com menos chuvas. Há também os casos de banditismo político, onde a autoridade nada faz, ciente da iminente catástrofe, para angariar recursos públicos e, decretado o estado de calamidade pública, passar por cima da lei de licitações e fazer uma grande bandalheira nas compras e obras para a atenuação paliativa dos problemas. É a indústria da calamidade.
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