Vi na TV ontem um programa da Fox americana onde o apresentador, um sujeito falador tipo Datena, questionava se os americanos iriam às ruas para lutar por um candidato derrotado numa eleição de vice-presidentes. Depois vi Obama falando que o resultado das eleições iranianas seria indiferente para o seu país, que não se envolveria em assuntos internos deles. Juntando o que disseram os dois e mais o que vi no documentário "Ligações Perigosas", que passou ontem na Discovery Civilizations, sobre a história recente do Irã e seu envolvimento como Hezbolah libanês, mais algumas análises, e tirei algumas conclusões.
Os iranianos têm razões de sobra para não gostarem dos americanos nem dos europeus. Em 1953, o governo do primeiro-ministro Mohammad Mosaddeq nacionalizou as companhias de petróleo estrangeiras, contrariando principalmente a Inglaterra. com quem cortaram relações. No ambiente de guerra fria e boicote ao petróleo iraniano pelo mundo ocidental, a União Soviética passou a comprar o seu petróleo. Mosaddeq acabou deposto por um golpe militar patrocinado pela Inglaterra e pelos Estados unidos, que colocararam o xá Reza Pahlevi no poder como ditador.
Até a queda diante da Revolução Islâmica em 1979, a corrupção se espalhou pelo regime do xá, trazendo grande insatisfação popular e às lideranças religiosas fundamentalistas. Verdadeiras farras feitas com dinheiro público, como a comemoração dos 2500 anos da Pérsia, chocaram o povo. O Xá trouxe "socialites" do mundo todo para uma rica festa, e era visitado frequentemente por líderes do ocidente. Praticamente todos os presidentes americanos do período andaram por lá.
Veio a revolução que libertou o país do xá e do mando do ocidente, mas implantou o estado teocrático de hoje. A embaixada americana foi ocupada pelos revolucionários, que tomaram 64 americanos como reféns, que foram libertados em 1980 numa negociação que envolveu o descongelamento dos bens iranianos pelos americanos.
Como a revolução islâmica poderia se alastrar para o Iraque, ameaçando estrangular boa parte do fornecimento de petróleo do mundo, o ocidente novamente atacou o Irã, desta vez terceirizando o trabalho sujo com outro títere, o ditador iraquiano Saddam Hussein, a quem armaram até com as armas de destruição em massa que depois serviriam de pretexto para invadir o Iraque depois que Saddam resolveu fazer "carreira solo", invadindo o Kwait. Morreram 400 mil iranianos na guerra, que não alterou fronteiras e terminou em 1988.
Dentro da revolução iraniana houve conflitos. O grupo de Khomeini liquidou a oposição de outros grupos, com a morte de 13.000 dissidentes. Fez o atual líder supremo, Ali Khamenei seu sucessor, mais moderado, que permitiu que governos eleitos rompessem o isolamento com o ocidente e abrandassem questões relativas a costumes. O atual presidente Ahmadinejad é tido como linha-dura , alinhado com as posições mais radicais do regime.
Os aiatolás são o poder de fato e de direito. Estão acima dos presidentes, assim como a Guarda Revolucionária está acima do exército. O aiatolá Ali Khamenei, o líder supremo, fez uma triagem entre 700 propostos candidatos para escolher os quatro que disputaram a recente eleição. O opositor de Ahmadinejad, que agora lidera protestos nas ruas contra os resultados eleitorais, Mir Hossein Mousavi, tem o apoio da juventude e das mulheres que querem reformas, além de intelectuais e outros grupamentos liberais. As eleições aconteceram em meio a muita baixaria política e pessoal, e Ahmadinejad teve o apoio do Conselho Religioso.
A reeleição de Ahmadinejad já é um fato para a burocracia teocrática. O problema agora será calar as pessoas que estão nas ruas protestando. Não farão nenhuma concessão, e tenderão a esquentar a chapa para os manifestantes, com mais repressão. Os americanos declaram não estarem apoiando os opositores, porque esse apoio só fará as coisas piorarem, para quem quer conversar com o mundo islâmico sobre muitas outras questões. Obama lavará as mãos, o que não impede a CIA de fazer o servicinho de sabotagem de sempre.
A oposição iraniana, que não pode ser considerada manipulada pelo ocidente, já que Mousavi não questiona o regime teocrático, talvez não tenha a exata dimensão da onda de terror que pode vir se tentarem bater de frente achando que podem derrubar o regime dos aiatolás. Ahmadinejad pode ter uma dupla vitória: um novo mandato, e a mão-de-ferro sobre as liberdades conquistadas pela cidadania até aqui.
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