Gostaria de fazer algumas ponderações sobre a aparente disputa entre o TCU e o governo federal, com impactos para a continuidade de alguns projetos, em especial do PAC. No mais recente "round", o TCU pediu o bloqueio de 41 obras, sendo 13 do PAC, por indícios de irregularidades. O governo queixa-se de não ter recebido um relatório detalhado dos problemas, e o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, chegou a declarar que do jeito que a coisa vai, as obras para a Copa de 2014 ficarão prontas em 2020.
Independente do Executivo, o TCU não tem qualquer obrigação com os compromissos assumidos pelo governo federal, que envolvem cronogramas geralmente apertados, para a conclusão de benfeitorias atendendo a prazos políticos. O papel do tribunal é fiscalizar os contratos de obras e serviços, com ênfase para a correta aplicação dos recursos públicos. Tem uma equipe técnica de alto nível, embora pequena para tanto trabalho, qualificada para oferecer à sociedade as análises para as decisões administrativas cabíveis pelo Tribunal. Ou políticas, se for da conveniência dos seus titulares, que chegam aos cargos por decisões políticas e não são, portanto, isentos de partidarismos.
O trabalho honesto de fiscalização técnica de uma obra deve ser apolítico, ou seja, deve se deter aos fatos e as análises decorrentes devem ser tratamentos técnicos dos dados obtidos. Esses relatórios serão apresentados a instâncias superiores, que os direcionarão politicamente. Essa vertente política pode influir no trabalho técnico pela imposição de prioridades e parâmetros. Por exemplo, o gestor pode criar um clima que demonize um projeto, e mandar a fiscalização fazer uma devassa. Como qualquer contrato tem defeitos, e toda empreiteira quer maximizar seus lucros através de alterações a seu favor, pequenos problemas podem ser potencializados e os relatórios técnicos podem ser usados politicamente pelos gestores para criar escândalos. O contrário também pode acontecer, e a fiscalização ser afetada por condições indiretas como falta de recursos para um estudo mais aprofundado, atenuando o espectro das verificações.
O TCU descobriu que tem o poder de influir politicamente. Igual poder têm os órgãos de fiscalização ambiental. Há poucos dias uma obra do PAC, a via expressa da região metropolitana do Rio de Janeiro, foi parada por orientação da direção de uma área de preservação ambiental para permitir o ciclo de acasalamento de uma perereca rara. A ex-ministra Marina Silva deixou o cargo porque a toda hora era atropelada pelos planos desenvolvimentistas do governo que exigiam rapidez na concessão de licenças ambientais, e foi substituída pelo atual ministro Carlos Minc, bem mais alinhado com os desejos do Planalto. Já com o TCU o governo não pode fazer tais substituições, e os conflitos de interesses assumem dimensões explosivas.
O TCU tem a faca e o queijo nas mãos. O poder executivo ainda sofre os efeitos do desmantelamento estatal de Collor e FHC, que praticamente eliminou a engenharia pública. Praticamente sem recursos, os ministérios são obrigados a soltar licitações com projetos feitos a toque de caixa, que deixam brechas para aditivos e alterações em plena obra, o que é agravado pela falta de fiscais do governo. Com o PAC e o calendário político a ele associado a pressão por começar as obras aumentou muito, e a falta de recursos praticamente não tirou muitas coisas do papel. Fica fácil para o TCU surfar em cima das imperfeições. O pior de tudo é a ilusão da economia com uma obra parada, como disse a ministra da Casa Civil, Dilma Roussef, gestora do PAC e pré-candidata à presidência da república.
Ninguém pode afirmar que o TCU esteja deliberadamente prejudicando o governo. Nem que haja roubalheira generalizada. Assim como no problema contábil da Petrobrás, que poderia ter sido resolvido por via administrativa, mas inflado pela mídia virou uma CPI que poderia ter sido tipo "Fim do Mundo", o julgamento apocalíptico do governo Lula, pode estar sendo criado o ambiente para a CPI do PAC. Ou CPI da Dilma. A falta de relatórios detalhados das irregularidades e a escandalosa divulgação pela mídia anti-Lula são indícios. Os próximos dias dirão. O assunto vai ao congresso para análise.
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