As políticas de favorecimento de grandes cadeias produtivas através de renúncia tributária deram resultados tão surpreendentes que já se fala em crescimento do PIB brasileiro em 2% no último trimestre de 2009. Mantida essa tendência, Lula poderá terminar o último ano do seu governo com uma taxa de crescimento anual da ordem de 8%, patamar inédito desde os anos do " milagre econômico" . A indústria automobilística, por exemplo, terá em 2009 o seu melhor ano da história.
Acabo de chegar de uma visita a três capitais do filé do capitalismo europeu: Londres, Paris e Berlim, onde a imersão por alguns dias serviu para aferir um pouco da extensão da crise sobre as pessoas. Na Inglaterra a TV mostra as enormes filas para disputa de poucos empregos oferecidos. Em Paris, os desempregados estão ao alcance da visão em qualquer local turístico, na forma de esmoleres, batedores de carteiras, camelôs de quinquilharias, quase sempre migrantes ou descendentes de cidadãos das colônias francesas. Na Alemanha a situação não é tão visível de testemunhar, mas deve-se dar o desconto por Berlim estar em franco processo de transformação a partir de grandes obras, e dos ocidentais terem herdado uma imensa reserva de mais-valia na exploração do povo da antiga DDR (Deutsche Demokratische Republik), ex-títere do estalinismo soviético. Talvez por ter essa grande massa de empobrecidos os preços encontrados tenham sido os mais baixos.
De qualquer forma, não se vê pessoas consumindo além do necessário nos supermercados e lojas de uso dos nativos, que frequentamos diariamente. Nos bistrôs parisienses o padrão é cafezinho e água, algo em torno de 5 euros, ou R$ 14, e ocupação da mesa para ler jornal e ostentar cara de intelectual. As "formules", que constam de combinações de entradas, pratos principais e refeições, não saem por menos de 15 euros por pessoa, ou seja, se um casal quiser comer no mais barato desembolsará cerca de R$ 80, fora a cerveja, na faixa de R$ 12, ou o refrigerante, na base dos R$ 6.
Esse nível de consumo está fora de cogitação para as classes médias nativas, e mesmo para certos turistas brasileiros que viajam a partir de promoções de passagens aéreas, hospedam-se em hotéis de duas ou três estrelas, andam muito a pé e comem na base de 8 euros por refeição (R$ 22) coisas que vão de alimentos tipo sanduba com fritas e refri de "fast-food" a comida "halal" dos árabes e coisas do mar feitas por asiáticos, fora as saladas e coisas para comer no pão compradas nos supermercados. Nesses países, os governos preferiram injetar dinheiro para salvar bancos que melhorar as condições de consumo.
Chego ao Brasil com a boa notícia da prorrogação da isenção de IPI para os carros flex, materiais de construção e agora para as cadeias produtivas de móveis, o que aquecerá a indústria de transformação em especial no sul do país, e permitirá aos novos ascendentes à classe média melhorar suas condições de habitação. Como a redução de IPI para a linha branca de produtos doméstico também foi um sucesso, no ano de 2010 vai ter muita gente satisfeita com o governo, e isso renderá potencial votação nos candidatos ligados a Lula. A classe operária só não está indo ao paraíso do consumo porque paga um poderoso imposto, paraestatal, o famigerado juro do crédito, bancário ou não.
Os bancos vão para o sétimo ano de obscenos lucros na era Lula. Têm no Banco Central um forte aliado na manutenção das altas taxas de financiamento da dívida pública, alimento rico para os bancos viciados em dinheiro fácil sem risco. Essas taxas pagas pelo governo balizam por baixo os juros cobrados do consumidor. Com a cartelização dos bancos na manutenção de altos juros no crédito mesmo com a redução da SELIC, o pobre coitado que quer se beneficiar da isenção de IPI para comprar materiais de construção, móveis e eletrodomésticos e até um carrinho acaba perdendo a vantagem para pagar aos bancos o "imposto" bancário.
A mídia do capital não fala mal das reduções de impostos, mas exacerbam a preocupação com o equilíbrio fiscal e com a inflação. E querem que o governo, ao invés de "jogar dinheiro fora" permitindo o consumo dos mais pobres, invista em infra-estrutura, usando o recente apagão como exemplo de necessidade imediata de mais recursos para o setor elétrico.
Outra notícia que me surpreendeu foi a da alta nas taxas de juros bancários, mesmo com todos os indicadores da economia mostrando recuperação. O processo é imoral. O banqueiro, aliás, todos eles mancomunados com o Banco Central, avaliam que o crescimento projetado poderá gerar inflação, e que o governo independente de Meireles irá aumentar os juros. O ovo ainda está em formação no interior da galinha e eles já estão aumentando os juros.
Falta ação do governo para submeter os bancos aos interesses da população, e há duas formas para isso: continuar a baixar os juros do BB e da Caixa para estimular a competitividade, e/ou taxar de forma mais incisiva os lucros de bancos, para gerar a receita que permita a redução permanente dos impostos sobre as cadeias produtivas de bens de consumo de maior necessidade popular. Taxou-se o capital especulativo que estava entrando aos turbilhões nas bolsas de valores, atrás de grandes retornos, como forma de evitar a supervalorização do Real, mas pouco adiantou. Poderiam aumentar mais a dose.
Nossos liberais de botequim começam a reclamar com muita cautela, afinal, redução da carga tributária é uma bandeira deles. Alguns falam que não se devia estimular alguns setores, e sim a economia como um todo. Entenda-se: aplicar linearmente cortes, o que favoreceria muito aos grandes e praticamente não beneficiaria aos que só pagam impostos indiretos sobre o consumo. Lula deveria ir para a história tomando medidas ainda reformistas, como a redução dos impostos sobre as cadeias produtivas dos alimentos, dos materiais escolares, dos remédios, elevação do piso da tabela do imposto de renda, favorecendo os assalariados da classe média, entre outros, e equilibrar o orçamento tirando de quem tem muito às custas da especulação e da exploração.
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