domingo, 25 de abril de 2010

Dia do Indio - algo a comemorar, mas pouco

Interessante artigo da ex-ministra Marina Silva, hoje pré-candidata à presidência da república pelo PV, destaca a vitória dos povos da Amazônia contra a grilagem obtida há um ano, com a demarcação e retirada dos invasores da Reserva Raposa Terra do Sol, em Roraima, e o quanto há a fazer para o resgate do país com os seus mais antigos habitantes.

São Paulo, segunda-feira, 19 de abril de 2010


19 de abril: é preciso ver

MARINA SILVA

HOJE, EM Roraima, os netos de Makonaimî vivem um Dia do Índio especial. Uma grande festa comemora um ano da decisão histórica do Supremo Tribunal Federal, apoiando parecer brilhante do ministro Carlos Ayres Britto, que garantiu a conquista definitiva da terra indígena Raposa/Serra do Sol.
A existência dessa terra indígena é um símbolo de vitória que se estende para além de seus limites e diz muito sobre a sociedade brasileira e a consolidação da democracia. Todos nós ganhamos com o reconhecimento dos direitos indígenas. Ficamos um país mais justo, mais tolerante e orgulhoso de sua diversidade, avesso à truculência e à violência contra os segmentos mais vulneráveis.

As autoridades que serão homenageadas hoje em Roraima, entre as quais o presidente Lula, tiveram importante papel de apoio, mas não são os protagonistas da vitória. Estarei lá também e sinto que, dentro de nossas atribuições, ao lado de várias organizações de apoio à causa indígena, fomos auxiliares.
Os principais artífices foram os próprios índios, em décadas de luta para ver aplicada a justiça. A tenacidade com que buscaram alianças, a capacidade de convencimento da justeza de sua causa e confiança na lei e na ação do Estado foram qualidades desenvolvidas no sofrimento e na resistência.
Netos de Makonaimî é como se tratam os cerca de 20 mil índios de diversas etnias que vivem em 198 comunidades dentro de Raposa/ Serra do Sol. Embora memorável, esse foi só mais um passo na conciliação do país com os cidadãos indígenas. Há muito o que fazer, como demonstra a situação dos guarani-kaiowá, de Mato Grosso do Sul, cujo pedido de socorro transmiti em carta ao presidente Lula.

Vítimas de massacres sucessivos na história do Brasil, na Guerra das Missões, na Guerra do Paraguai, enfrentaram depois a ocupação desordenada das terras e o desmatamento. Em 70 anos foram consumidos 98% da mata original que garantia a sobrevivência física e cultural dos guarani-kaiowá.
Hoje, cercadas pela monocultura da soja, pasto ou cana-de-açúcar, suas poucas terras reconhecidas e regularizadas estão degradadas e têm extensão menor que um módulo rural para reforma agrária. E a maior parte está, de fato, ocupada por fazendas cujos "donos" recusam acatar demarcações oficiais.
Como se vê, ainda temos um longo caminho para fazer justiça aos índios brasileiros. Raposa/Serra do Sol trouxe novo paradigma. Neste Dia do Índio, o grande desejo é que a vitória sirva de exemplo. E que isso aconteça com muita urgência, pois, para muitas comunidades, como as do povo guarani-kaiowá, o tempo se esgotou e o Brasil não viu.


MARINA SILVA escreve às segundas-feiras nesta coluna.

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