No dia seguinte à eleição do primeiro turno, o governador reeleito de São Paulo ria à toa nas imagens da TV. Ganhou por margem apertadíssima, numa apuração sofrida até o final. Os panfletos anti-PT distribuídos de forma criminosa em portas de missas e as homilias anti-Dilma fizeram a diferença, e Alckmin escapou de um sofrido segundo turno contra Lula, já que Mercadante lhe faz concorrência como candidato insosso. Tomaram a eleição na vigarice, e riem à toa.
Serra também era só felicidade. Se a baixaria geral jogada contra Dilma, com o apoio partidário da imprensa golpista, não deu muito resultado, a inflação da "Onda Verde" de Marina deu certo, e o colocou no segundo turno. A malandragem deu certo, e a derrota iminente se transformou numa nova oportunidade de golpear, caluniar e manipular que podem fazer, em caso da sua eleição, a maior fraude da história do mundo ocidental.
Passada a euforia, a realidade é outra: Dilma venceu com 47% dos votos, enquanto Serra teve 32%. A ficha do eleitorado mais consciente de Marina deve cair, e certamente não irão querer passar à história como a massa de manobra que ajudou a golpear uma eleição e levar a felicidade às fazendas dos desmatadores, dos latifundiários e dos escravagistas rurais. Uma boa parte deve votar em Dilma, até porque 68% das pessoas preferiram votar em mulheres no primeiro turno.
No Congresso, os aliados de Serra foram devastados. Não que os eleitos sejam muito melhores, mas não ver mais Mão Santa, Heráclito Fortes, Marco Maciel, Artur Virgílio e outras figurinhas do "freak show" político será muito bom até para a minha televisão. Até o mito da governabilidade com a volatilidade do PMDB foi destruído, já que ficaram com apenas 75 deputados, e o PT com 88. Se Serra ganhar, terá que comprar muita base aliada, pois PSDB, DEM, eventualmente o PMDB mais uns partidos de aluguel só fariam maioria com muito mensalão, ministérios e um enorme flanco à corrupção. Pior: com o PT na oposição, onde tem especial expertise. Se ganhar, Serra não governa.
Serra não tem muitos aliados a acrescentar. Aqui e ali um descontente do PMDB, um mercenário do PV, louco por carguinho, uma parte do eleitorado de Marina que odeia o PT e mais apoio escancarado da mídia, que também já ficou manjada nas armações anteriores. Parlamentares destruídos pelo voto popular e extremamente vingativos vão encerrar suas carreiras fazendo sacanagens, em especial no senado. Pedidos de CPI, investigações, busca por lama, tudo isso será amplificado pela mídia como factóides. Raul Jungmann (PPS), derrotado em Pernambuco, já quer representar contra Lula porque recebeu os eleitos da base aliada no Palácio do Planalto...
Dilma foi para o segundo turno também pela recente onda inquisidora da ala ultra-conservadora da igreja católica e de algumas evangélicas, remetendo-nos ao século XIX, mais exatamente à Constituição da República, que por razões daquela época vigentes até aqui separou a religião do estado. A elevação da questão do aborto a tema de relevância acima dos demais mostra a distorção que o lobby religioso pode fazer no debate democrático, com o apoio da mídia.
Tanto Serra como Dilma e o PT defendem a descrimininalização do aborto, para que mulheres não morram em clínicas clandestinas, e não como política de controle de natalidade. Ambos, tristemente, cederam à chantagem do atraso e começaram a dar muita bola a isso. Seus programas eleitorais do segundo turno pareciam celebrações religiosas. Certamente irão papar hóstias em Aparecida do Norte no próximo dia 12, para desgosto de muitos eleitores que professam outras opções religiosas ou nenhuma delas, pelo simbolismo da submissão.
Há um enorme potencial de votos de Marina para Dilma. As pesquisas (muito falhas, por sinal) anteriores ao primeiro turno apontavam Dilma com ampla margem sobre Serra no segundo turno. Em Brasília, por exemplo, onde Marina venceu em meio a um eleitorado majoritariamente oriundo do serviço público, e a mulher-laranja, candidata de Roriz foi para o segundo turno, vai acender a luz vermelha, literalmente. O voto em Marina teve uma componente anti-corrupção, que nivelou Serra e Dilma com escândalos. Esse voto continuará, contra Roriz, e a componente corporativa falará mais alto na hora de optar entre uma candidata de um governo que reestruturou o serviço público e outro que representa o sucateamento, a destruição do estado e a privatização.
No Rio, atribuo a vitória de Sérgio Cabral a uma bem articulada propaganda do sucesso das Unidades de Política Pacificadora, que são adoradas pelos que já as têm, e desejadas pelos que ainda não as têm. Vi muitos depoimentos no Rio de gente que tampou o nariz e votou em Cabral pela continuidade da política de segurança. Por outro lado, Gabeira, do PV, que teve uns 20% de votos oscilando do apoio escancarado a Serra, César Maia e outros direitistas ao apoio oportunista a Marina quando esta passou a frente de Serra no Rio, era visto como alguém que, por defender a descriminalização das drogas, poderia afrouxar a política das UPPs. Mais ainda: Cabral atribuiu o sucesso à parceria com o governo Lula. Votar em Serra, no Rio, pode significar, na mente do eleitor, o fim das UPPs. Pior: o vice de Serra é o carioca Indio da Costa, tristemente famoso por odiar pobres, querer tornar criminosos os que dão esmolas, etc. Vai que Serra... Índio Presidente!
Dilma recomeçou a campanha explorando a perseguição que sofre à que Lula foi vítima. O jingle de Serra diz que ele "é do bem", deixando para Dilma "o mal". Para o distraído, a musiquinha parece "Serra é do DEM", que é o mais apropriado, pelas maldades que faz e fará. Dilma diz que não entrará na baixaria, mas seus aliados certamente partirão para responder aos ataques de Serra e sua turma.
Deixo aqui para reflexão a minha contribuição ao terrível cenário da posse de Serra: em quantos dias teremos a primeira de muitas greves gerais, porque não cumprirá as promessas de salário mínimo de R$ 600, de reajuste em aposentadorias de 10% e 13° bolsa família, primeiro pela falta de recursos orçamentários, segundo porque tudo isso passará por um congresso dominado pela oposição? E quando quiser acabar com as políticas sociais, liberar o desmatamento, fizer vista grossa à grilagem de terras e levar o Brasil novamente ao quintal das grandes potências, qual será o tamanho da crise? Serra não terá em mãos o principal instrumento que levou Lula ao "sucesso": o controle dos movimentos sociais (espero que Dilma também não o tenha, para acelerar as reformas sociais sob pressão). Terá que governar praticamente num estado de exceção, com a polícia nas ruas reprimindo a todos os que, justamente, se sentirem enganados pelas suas falsas promessas e pelo projeto anti-poupular demo-tucano.
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