Para Berlusconi, neo-fascista que quer parecer democrata, isso é intolerável: como pode o Brasil dizer que na Itália a justiça não é justa, e que se persegue e pode-se até matar um preso político? Bem, isso não foi dito na nota brasileira, mas no despacho do então ministro da Justiça Tarso Genro, no início do ano, quando concedeu refúgio a Battisti. Genro considerou questionável a aplicação retroativa de uma lei italiana para atingir Battisti, que gerou uma condenação a ele a partir de delação premiada de outros acusados, e uma sentença prescrita. Para melhor entendimento, reproduzo abaixo um trecho do artigo "O que o noticiário não revela sobre o Caso Battisti?", publicado por Celso Lungaretti no Portal Luiz Nassif:
"... Na verdade, o Brasil foi até generoso, pois certo mesmo estava o ex-ministro da Justiça Tarso Genro, ao conceder o refúgio humanitário a Battisti porque ele não foi sentenciado num verdadeiro julgamento, mas sim num linchamento togado.
Face ao desafio das organizações armadas de esquerda na década de 1970, o Estado italiano reagiu, segundo Genro, "não só aplicando normas jurídicas em vigor à época, mas também criando 'exceções' (...) que reduziram prerrogativas de defesa dos acusados de subversão e/ou ações violentas, inclusive com a instituição da delação premiada, da qual se serviu o principal denunciante" de Battisti.
O ministro brasileiro utilizou uma citação do maior jurista italiano do século passado, Norberto Bobbio, para caracterizar a cultura de abusos contra os direitos humanos que prevaleceu durante os anos de chumbo:
"A magistratura italiana foi então dotada de todo um arsenal de poderes de polícia e de leis de exceção: a invenção de novos delitos como a ‘associação criminal terrorista e de subversão da ordem constitucional’ (...) veio se somar e redobrar as numerosas infrações já existentes – ‘associação subversiva’, ‘quadrilha armada’, ‘insurreição armada contra os poderes do Estado’ etc. Ora, esta dilatação da qualificação penal dos fatos garantia toda uma estratégia de ‘arrastão judiciário’ a permitir o encarceramento com base em simples hipóteses, e isto para detenções preventivas, permitidas (...) por uma duração máxima de dez anos e oito meses".
De um lado, os mais gritantes absurdos jurídicos -- como essa hipótese kafkiana de se manter um suspeito preso, sem qualquer condenação, por mais de uma década; e a instituição de leis com efeito retroativo, a exemplo da que serviu para condenar Battisti.
Do outro, a tortura grassando solta, como também destacou Tarso Genro:
"Determinadas medidas de exceção adotadas pela Itália nos 'anos de chumbo' (...) ressoam ainda hoje nas organizações internacionais que lidam com direitos humanos. A condenação a determinados procedimentos e penas motivou, de um lado, relatórios da Anistia Internacional e do Comitê europeu para a prevenção da tortura e das penas ou tratamentos desumanos ou degradantes e, de outro, a concessão de asilo político a ativistas italianos em diversos países, inclusive não europeus".
O motivo maior da decisão soberana do Brasil, ao salvar Battisti da vendetta neofascista, foi o de a Itália estar querendo fazer cumprir uma sentença (já prescrita!) decorrente de uma farsa jurídica, montada a partir de leis de exceção, de delatores premiados atirando suas culpas nas costas dos companheiros e de magistrados que engoliam até procurações forjadas para darem aparência de legalidade à condenação de um réu ausente. E isto num clima de intimidação, coerção e maus tratos generalizados..."
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