terça-feira, 13 de março de 2012

Kony 2012 : Show de marketing

Fazer alguém assistir um filme publicitário por 30 minutos hoje em dia é uma façanha, já que as mídias são instantâneas e de rápida assimilação. Fazer mais de 100 milhões verem isso é realmente fantástico, num meio alternativo como a Internet. Não dá para ficar sem comentar o fenômeno Kony 2012, o maior viral da história da web. 

A idéia do filme é dar visibilidade a um senhor da guerra, o ugandês Joseph Kony,procurado desde 2001 pelo Tribunal Penal Internacional de Haia por crimes contra a humanidade. Kony sequestra crianças e as recruta para um grupo armado chamado LRA (Lord Resistence Army, ou Exército de Resistência do Senhor), sob pretexto de criar um "estado bíblico". Perseguido em Uganda, passou a agir nos países vizinhos, como a República Democrática do Congo e na República Centro Africana. Há 26 anos Kony comete seus crimes, entre eles o de tornar meninas escravas sexuais.

Até aí temos mais um criminoso entre tantos que existem na África que explora e aterroriza populações a partir de algum pretexto dito ideológico para construir um império e acumular fortuna. O mundo todo fecha os olhos para isso, já que sequer se mobiliza para combater as misérias humanas dos seus próprios países, deixando a África a critério da lei do mais forte. Nenhuma potência quer ir lá, porque não há interesses econômicos, como petróleo. Nada de novo na hipocrisia civilizatória, que se interessa mais em agir onde há retorno econômico, criando para isso imensas campanhas de mídia justificatórias. A Líbia já passou por isso, agora a Síria, amanhã o Irã. Para as criancinhas invisíveis da África, nada.

Um cinegrafista americano foi lá, viu o problema, criou uma ONG, arregimentou apoiadores, procurou autoridades e celebridades, ralou muito e finalmente produziu esse filme de denúncia, muito bom enquanto peça publicitária. Tão bom que ao final chama a platéia para a compra de kit, bracelete e doar dinheiro para a causa, que também tem como subprodutos a construção de escolas e de estações de rádio para alertar as pessoas sobre a movimentação dos rebeldes comandados por Kony.

O filme mostra que, a princípio, o governo norte-americano não se interessou pelo assunto, explicitando que não havia interesses financeiros por lá. De certa forma, mostra que os políticos de ambos os partidos americanos não mostraram interesse, e faz um chamamento para as pessoas agirem, no estilo "yes, we can" que elegeu Obama há 4 anos. Apelando principalmente aos jovens, os autores criaram um fenômeno que a história poderá reconhecer como a inauguração da fase de mobilização social pela internet. Ou de manipulação, dependendo do que vem por aí.

Multiplicando-se pela internet através de redes sociais, o filme está atingindo boa parte do mundo que tem internet, o que não é o caso do público-alvo, ou seja, as crianças de Uganda, Congo, etc. Chama à intervenção dos poderosos ditos civilizados contra a barbárie, e nisso fortalece a idéia do desrespeito a qualquer soberania territorial, desde que para uma boa causa. Em nenhum trecho do filme se busca saber o que as autoridades dos países onde há vítimas do terror de Kony estão fazendo a respeito para combatê-lo e prendê-lo. Simplesmente propoem o nivelamento de Kony com Hitler e Bin Laden, como num cartaz do kit publicitário vendido pela ONG Invisible Children. Isso é forte no meio das novas gerações, que não têm muito conhecimento histórico mas reconhecem ícones.

Numa campanha de americanos, com visão intervencionista, para americanos de mesma formação, a associação a Bin Laden cria o link com o terror onipresente, que justifica toda a supressão de liberdades a partir do atentado de 11 de setembro de 2001. E todo o discurso da doutrina do "ataque preventivo", ou seja, o terror deve ser combatido em qualquer lugar do mundo, a qualquer custo, sem respeitar leis ou fronteiras, e destruído antes que ataque os Estados Unidos. Segundo o vídeo, o maior trunfo da mobilização foi o presidente Barack Obama mandar 100 militares para Uganda, que não se envolverão na busca, mas treinarão os militares para capturá-lo. Isso foi em outubro de 2011.

O vídeo faz das eleições norte-americanas o mote para tentar fazer o governo se envolver mais com a causa. Usam símbolos republicanos e democratas (o elefante e o burro) mesclados como se fossem uma só força, e mostram os materiais da campanha para capturar Kony ao lado das propagandas eleitorais. usam o mote "Kony 2012" para associá-lo a alguém a eleger em 2012 para a cadeia, algemado, um anti-candidato. Querem fazer de Kony uma anti-celebridade mundial, para que seja reconhecido em qualquer lugar onde tente de esconder, e usar o a fama de outras celebridades para ajudar nesse intento com suas participações em sites e redes sociais, divulgando o vídeo.

Como na propaganda, está se criando uma expectativa para poderosa para que algum interesse colha seus frutos quando o produto for lançado. Mais ou menos o método de um célebre fabricante de produtos eletrônicos, que ao lançar seus gadgets já encontra filas de pessoas dispostas a pagar qualquer preço por algo que não é o melhor do mercado, mas tem um fetiche da grife. Bin Laden ajudou Obama a recuperar parte do prestígio que havia perdido na crise econômica. Será que a captura de Kony também não renderia bons votos? Talvez seja esse o mote do vídeo: botar Obama para caçar desesperadamente o inimigo público número 1 do mundo, para sair como super-herói no final de tudo. Daqui até as eleições, quem sabe, Kony não aparece?


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