quinta-feira, 20 de setembro de 2012

FANOAPÁ 0016 - Intolerância gera intolerância

Esta seção do blog era para ser "Falta de Noção que Assola o País", mas a gente escreve mais sobre o mundo que sobre coisas do Brasil. Agora vem essa onda perigosa de esculachar os que seguem  o islamismo. Até no metrô de Nova Iorque botaram provocações. Botaram anúncio que liga o Islã a "homem selvagem"

Um imbecil faz um filme de péssima qualidade, colocando Maomé como pedófilo, tarado por mulher casada, assassino sanguinário, ladrão, e numa cena duas pessoas até questionam se ele seria gay. Botou essa porcaria em junho na internet, e ficou por isso mesmo. Justo no 11 de setembro alguém lembrou que isso existia, espalhou geral no mundo muçulmano e começou uma onda de protestos contra o que eles chamam de blasfêmia, onde a morte dos infames é apenas o primeiro passo para piores castigos.

Se foi armação da Al Qaeda, como alguns dizem, para incitar o ódio aos americanos e atacar embaixadas, assassinando os funcionários e destruindo tudo, até teria algum sentido. Até parece, porque não acredito que alguém que não quisesse irritar profundamente um muçulmano fizesse isso com tanta perfeição. Um verdadeiro atentado. No entanto, aí entra a falta de noção, não se pode nunca deixar de lembrar que o ser humano é capaz das coisas mais bizarras, e ter sido realmente um idiota avulso que fez isso como gracinha ou desabafo.

Se era para gerar reações violentas, quem fez o vídeo foi primoroso. Só vem à mente o comediante Mução, que nada tem a ver com muçulmano, que no seu programa de rádio tem um quadro de pegadinhas, onde liga para uma pessoa que tem algum tipo de apelido ou trauma que a faz explodir, informado por alguém ligado à vítima, e puxa assunto até que fala as palavras que fazem a pessoas perder a cabeça, xingar, bater o telefone, etc. É cutucar o nervo que todos sabem que está exposto.

Surfando na onda de violência anti-americana, e parece que perdendo a noção do perigo, o jornal Charlie Hebdo's, tradicionalmente de humor e sátira, botou uma charge também tendo como tema o profeta muçulmano Maomé, questionando sua intocabilidade, a impossibilidade de sequer ser retratado ou ridicularizado. O governo francês, prevendo a merda que isso vai dar, fechou as embaixadas e escolas para franceses em 20 países. O pessoal do jornal, tranquilo, defende seu direito à liberdade de expressão. Aí vem a direita francesa, xenófoba, doida para botar toda a comunidade árabe num barco e devolver à África, e ganha força para suas teses fascistas. Uma coisa puxa a outra. Intolerância gera intolerância.

Assim como o prefeito de Tóquio, que disse que iria comprar ilhas disputadas por chineses e japoneses tocou fogo numa disputa que pode acabar em guerra porque queria ganhar votos nas eleições locais, a falta de noção e a intolerância estão levando o mundo a uma fragilidade irracional. A China, por décadas, foi dominada pelo Japão, que fez atrocidades impensáveis, gerando um sentimento anti-japonês que resistiu a 40 anos de paz selada entre os dois países. Bastou uma fagulha para explodir o ódio.

Se fosse há uma década atrás, uma charge ou um filme feitos fora dos países de regimes teocráticos muçulmanos jamais seriam conhecidos. Imaginem se hoje alguém lançasse certas marchinhas antigas do nosso carnaval que falam de coisas muçulmanas? Caía na internet rapidinho, e tome queima de embaixada brasileira. Hoje tudo é instantâneo, simultâneo e efêmero. E perigoso também. Qualquer pessoa pode atrair para seu país ou seus compatriotas o ódio mortal a partir de um simples post de intolerância.

Não é censura o que se pretende, a bem da coexistência pacífica : é respeito aos valores dos outros, sem confundir a liberdade de expressão com a permissão para a agressão, para a difusão do ódio, da intolerância, do preconceito. Se alguém quiser fazer a provocação, pelo menos bote a cara bem visível, assuma o ato individual, para saberem quem foi e não deixar a culpa para o coletivo à sua volta, que tendo noção do ato intolerante ou preconceituoso certamente irá deixá-lo sozinho na arena. Obama condenou o filminho, o governo francês disse que não tem nada a ver com a charge, mas isso pouco adianta para quem já tem acumulado, até por razões históricas, ódio aos impérios ocidentais.

Da mesma forma, se alguém tem uma convicção e sabe que outras pessoas não têm os mesmos valores e ridicularizam seus sentimentos, devem se afastar, e não praticar atentados. Bom-senso e noção são para essas coisas. Se é para conviver pacificamente, também tem que saber ponderar e fazer-se respeitar sem partir para a violência. 

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