sábado, 2 de novembro de 2013

Finados : Reflexão sobre a morte banalizada no Rio

2 de novembro. Feriado nacional com o objetivo de homenagear os mortos. Hoje os cemitérios estarão lotados de pessoas levando flores e chorando lágrimas sinceras pelos que perderam. Entre elas, os que a violência ceifou, em geral jovens. Muitos sem explicação para a violência que sofreram.

As capas dos jornais populares de hoje no Rio destacam a emoção no enterro de uma criança morta em tiroteio quando criminosos tentaram resgatar um bandido no fórum em Bangu. Um PM também morreu. E todo dia é assim. Tais mortes, quando ganham destaque diante da banalização, é porque servem a usos políticos.

Uma estatística recente mostrou que no Rio há cerca de 6 mil pessoas desaparecidas por ano. Um caso é o do pedreiro Amarildo. Cadê o resto, tirando-se os que fugiram de casa e entraram nas estatísticas como desaparecidos, foram para as ruas e lá foram desaparecidos de vez? Na minha rua todos os dias subiam e desciam gangues de adolescentes na época de domínio do tráfico gritando, chutando portas e lixeiras, ameaçando em nome do domínio territorial do crime. Sumiram todos com a pacificação. O que houve?

Um dia perguntei a um oficial de UPP pelos menores que trabalhavam para o tráfico, e a resposta foi que a maioria não tinha ficha criminal e simplesmente se reintegrou às famílias, buscaram empregos, etc. Segundo o policial, quem fugia era uma minoria já engajada no crime de todas as formas. Fogueteiros, processadores de droga, pipeiros e aviões saíram da vida criminosa, segundo o policial.

O fato é que no Rio é possível a eliminação de pessoas via polícia. Já vi um caso onde drogados foram presos numa casa que tentavam arrombar e o policial sugeriu discretamente ao proprietário : "Sabe como é, cidadão, a gente leva pro batalhão, dá umas porradas, aí tem que soltar porque é de menor, ele volta prá rua, vem na tua casa, pode te fazer mal, isso não adianta muito". Para quem entende a indireta o papo pode evoluir para acerto de preço para "eliminar o mal pela raiz".

A lógica do policial é compartilhada por muita gente na classe média. Circula pelas redes sociais um video de um delegado do Mato Grosso que desabafa contra uma juíza que se negou a deter menores encontrados com armas e drogas. Muitos compartilhamentos, validando o argumento do "nada adianta pela via legal". A juíza também veio a público esclarecer que segue a lei, a jurisprudência e orientações superiores, além de que não há cárceres em condições de acolher menores na região.

Aí a culpa é jogada no Estatuto da Criança e do Adolescente, que seria brando com criminosos menores, e a idéia de baixar a maioridade penal abraçada pelos mesmos que buscam um jeito de se livrar dos infratores. Que por coincidência também defendem o fim do auxílio reclusão e alguns até o uso de presos para experiências científicas, em vez dos animais. Em geral também o fim de todo e qualquer programa de eliminação da pobreza, que não tenha como resultado sete palmos de terra em cima.

Há alguns meses visitava o campo de concentração de Auschwitz, próximo a Cracóvia, na Polônia e a guia mostrava um misto de amargura e ódio enquanto expunha o sistema de escravidão e extermínio montado pelos nazistas. Em um certo momento perguntei reservadamente a ela se havia perdido alguém ali. Respondeu que todos perderam alguém ali, porque qualquer um que levantasse a voz contra o que se fazia ali podia parar lá. Então perguntei se as pessoas sabiam o que acontecia, se o extermínio era algo sabido, e ela respondeu que sim.

Nas cidades próximas tinha gente se beneficiando da expropriação das propriedades dos judeus que eram revendidas aos de maiores posses, em geral colaboradores do nazismo. Secularmente judeus, ciganos e homossexuais eram odiados por toda a Europa. A eles se juntaram os comunistas como público-alvo de escravidão e extermínio. Simplesmente desapareciam das suas vistas para sempre. E muita gente ficava aliviada com isso.

Assim como no Rio. A banalização está nas frases"; "Sumiu o cracudo? Ótimo, nem quero saber que fim levou"; "Caveirão entrou metralhando e matou muitos? Beleza pura, menos uma porção de bandidos"; "Os mortos eram todos traficantes"; "Morreram porque resistiram". Que o dia de Finados sirva não apenas para que cada um chore pelos seus mortos, mas para que todos se lembrem das pessoas que, direta ou indiretamente, contribuem para matar.


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