Só alguém muito ingênuo pode supor que o casal Zelaya, com mais 60 apoiadores e assessores, vinha passeando na calçada numa rua tranquila de Tegucigalpa, e, vendo a embaixada do Brasil, resolveu entrar para pedir hospedagem. O governo brasileiro negará até sob tortura que havia alguma coisa articulada antes, para não ser tachado de intervencionista em assuntos de outro país. Para a nossa diplomacia, sendo Zelaya o presidente constitucional, e estando no seu país, estar na embaixada brasileira não significa asilo, mas uma visita ao Brasil. E, nesse clima de normalidade, Zelaya pode usar seu telefone tranquilamente para falar com quem quiser, e mandar mensagens pela imprensa ao povo que o elegeu, como se estivesse em Brasília ou no Rio de Janeiro.
É nessas horas que as máscaras da nossa direita caem. As moções aprovadas pelos parlamentares se preocupam mais com a integridade da embaixada que com o retorno de Zelaya ao poder, como exigem a ONU, a OEA e quase todos os países. Já querem chamar o Celso Amorim para explicar por que o Brasil abriu a porta a Zelaya. Querem calar a voz de Zelaya a todo custo, colocando na mídia ex-embaixadores para dizerem que asilados devem ficar de bico calado. O detalhe é que Zelaya não é um asilado, e o governo que quer prendê-lo não é reconhecido por ninguém. Para a "nossa" direita, aquela do "Cansei" e dos criadores de falsas crises midiáticas que sabem que só chegarão ao poder por golpe, tudo isso é um horror.
Mesmo que nada dê certo, que os gorilas invadam a embaixada, prendam ou matem Zelaya e expulsem o nosso pessoal diplomático, o estrago já está feito. Lula recebeu aplausos na abertura da Assembléia Geral da ONU ao falar da condenação do golpe e pedir o imediato retorno de Zelaya ao poder. Celso Amorim fez várias articulações políticas e pediu uma reunião do Conselho de Segurança da ONU para tratar do assunto. Acuados, os golpistas de Honduras, que cometeram infrações ao direito internacional ao cortarem água, energia e telefone na embaixada ontem, recuaram e agora já falam em diálogo. Pudera, porque o país está parado há 48 horas por toque de recolher, os aeroportos e fronteiras estão fechados, há focos de desobediência civil e toda a atividade econômica da área está parada.
Muitos por aqui perguntam: o que o Brasil ganha com isso? Em primeiro lugar, a reiterada condenação a golpes de estado por todo o mundo, inclusive pelo maior patrocinador de todos eles, os Estados Unidos. Hillary Clinton está muito pouco à vontade, porque os EUA condenaram "de boca" o golpe mas não moveram nem uma palha pela volta de Zelaya, e agora, com o fato consumado do retorno dele, serão levados pelos fatos a tomar novas atitudes. Se a nossa embaixada fechasse a porta e entregasse Zelaya aos algozes, pegaria muito mal para a imagem como país que pretende ser potência mundial. Em segundo lugar, o Brasil é reconhecido como ator muito mais importante na geopolítica latino-americana que a Venezuela, por exemplo. Por que Zelaya, acusado de títere de Chavez, não correu para a embaixada venezuelana, onde poderia ter bem mais condições de fazer um foco de resistência? A opção pela Venezuela significaria confronto, e pelo Brasil, a possiblidade de uma saída negociada.
O que vai acontecer é imprevisível. Honduras não pode ficar o resto da vida em estado de sítio, com tudo parado. Há eleições marcadas pelo calendário constitucional. Uma solução que leve Zelaya ao poder inviabilizará qualquer outro plebiscito, e ele não poderá concorrer à reeleição. E os atuais golpistas, responsáveis por atrocidades contra as multidões de civis, não poderão escapar a punições. O retorno de Zelaya será uma operação de engenharia política dificílima, considerada a radicalidade entre as partes.
E pensar que tudo isso se deu pela precipitação do comandante das forças armadas que, exonerado do cargo, foi reintegrado pelo judiciário e resolveu, aparentemente por vingança pessoal, botar a família Zelaya num avião, de pijamas, e mandá-los embora. Uma grande trapalhada que tirou a pobre Honduras do ostracismo e a colocou da pior maneira possível sob os holofotes do mundo. Pela constituição hondurenha, Zelaya poderia perder o poder em poucas semanas, se não houvesse o golpe, por propor o plebiscito. Haveria o "impeachment" e o mundo não teria nem sabido disso. A direita, da qual o próprio Zelaya é oriundo, o excluiria "democraticamente". Com a quartelada, criaram todo esse circo e podem provocar um banho de sangue.
PS: Zelaya parece não ter essa bola toda com o movimento social. Se tivesse, já estaria sentado na cadeira usurpada, no palácio presidencial.
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