Fiquei fora do país por 20 dias, do período imediatamente anterior ao das eleições até o retorno ontem. Limitei-me a ler os e-mails mais importantes, e li superficialmente as notícias das eleições e do momento posterior. Agora estou abrindo os e-mails e lendo as revistas e jornais acumulados, e algumas preocupações merecem registro.
Primeiro, a parte boa dos e-mails. Ver aquele monte de baixarias, mentiras e provocações depois das eleições, com o sabor de vitória sobre tudo aquilo, não tem preço. Assisti o vídeo de um comediante que chamava o Lula de bêbado, de ladrão, etc. Dá vontade de devolver a quem remeteu dizendo : com tudo isso, perderam! Se tivessem ganhado, essas coisas se perderiam, mas como perderam, ficaram muito mal na foto. Perderam perdendo.
Agora, as preocupações. Uma edição extra da revista Veja com uma boa foto de Dilma na capa, sorridente, com faixa presidencial, e a frase dela: "Meu compromisso com o país: valorizar a democracia em toda a sua dimensão". No editorial, mais elogios e as primeiras armadilhas, falando da sua vitória: "Foi um triunfo do "fator bem-estar, a atmosfera de orgulho, alívio financeiro e esperanças criadas pelos acertos econômicos e sociais de HC e Lula, que favoreceu a continuidade".
Até aí, o grupo empresarial da revista pode ter seu ponto de vista. Ao final, os interesses e os temores, destacando, do discurso da vitória de Dilma, o seguinte trecho:
"Dilma reafirmou o respeito irrestrito à liberdade de expressão e seu reconhecimento que "as críticas do jornalismo livre ajudam o país e são essenciais aos governos democráticos, apontando erros e trazendo o necessário contraditório. Um grande começo".
Noutros meios de comunicação o mesmo tipo de abordagem covarde, de quem espezinhou, armou, golpeou, e agora, diante da derrota, pede piedade. Não vou me surpreender se daqui até Dilma tomar posse a Globo vier a passar "Lula, o filho do Brasil". Onde os meios de comunicação da elite querem chegar? Que papo é esse de morder e assoprar? O que quer a elite com esse tipo de trégua, de abertura de canal de diálogo acima das divergências? O de sempre: influir nos governos como um poder autônomo, desde o primeiro momento, estabelecendo um acordo diante da nova correlação de forças. Puro pragmatismo.
Enquanto isso, nas bases da campanha eleitoral, o pau come. Serra abriu a Caixa de Pandora: deixou crescerem à luz do dia facções religiosas conservadoras, defensores de teses reacionárias sobre gênero e opção sexual, neonazistas, separatistas, fascistas, saudosistas da ditadura, racistas, xenófobos e todo lixo varrido para baixo do tapete civilizatório em anos de reconstrução democrática. Continuam os e-mails apócrifos com acusações a Dilma, manifestos separatistas, xenofóbicos, incitações ao crime contra nordestinos, e do outro lado os repúdios, as denúncias de ofensas à lei, etc. Esta guerra de militantes não está no grande jogo do poder, que está na "equipe de transição". É a cortina de fumaça que encobre os grandes acordos acima dos programas, partidos e emoções.
Nesse limbo de poder, onde para Lula tudo é festa, inaugurações, homenagens e prestígio chegando aos 85%, que fazem dele o melhor presidente da história na avaliação popular, é que se monta a correlação de forças do novo governo. Todo mundo quer um pedaço, inclusive os derrotados. Da parte destes, pelo menos a manutenção dos privilégios. Não querem a regulamentação da mídia. Não querem mais impostos. Não querem discriminações nos investimentos nos estados onde a oposição venceu. Não querem pagar mais. Não se trata de combater o que já existe, mas de manterem-se vivos até a próxima eleição. Querem mitigar riscos, afastando do novo governo as idéias e pessoas mais radicais.
Têm medo de um "chavismo", e em nome disso podem fazer concessões à governabilidade. Em suma: querem diluir o governo de Dilma. Para isso, até o momento do anúncio da equipe, vão manter o nível dos ataques ao novo governo em níveis civilizados. Depois, o pau come. Ou não, dependendo das concessões de Dilma. É nesse momento que os movimentos organizados da maioria da sociedade devem estar alerta, afirmando os interesses de classe, fugindo às provocações de baixo nível. Temos que influir na formação do novo governo, neste momento de gênese. Se não o fizermos, a elite inteligemente o fará.
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