O principal fato econômico do ano aconteceu ontem, com a decisão do cartel da OPEP (Organização dos países exportadores de petróleo) de manter as atuais cotas de produção, mesmo com a economia mundial demandando menos. O resultado está hoje nas bolsas de commodities, com a queda acentuada do preço da mercadoria a níveis inimagináveis há poucos meses. Parece até a Black Friday do petróleo...
Cair o preço do petróleo é bom para quase todos. Nos lugares onde a queda for repassada aos preços haverá ganhos instantâneos de competitividade por redução de custos. Nas empresas aéreas, por exemplo, onde 45% do custo é com combustível de aviação, a queda de preços pode estimular as viagens. O mesmo vale para transportes à base de derivados de petróleo em geral e geração de energia elétrica, como termelétricas à base de diesel. O mundo todo deveria respirar aliviado com essa notícia e aplaudir a Arábia Saudita, líder do cartel, como grande colaboradora para a recuperação da economia global, certo?
Se o primeiro choque do petróleo em 1973 jogou o mundo numa crise sem precedentes e encheu os cofres dos produtores de petróleo, não seria uma contradição agora os países do cartel baixarem os preços, aparentemente perdendo dinheiro, em benefício das economias de todo o mundo? Seria isso uma espécie de consciência global, de grande filantropia, para fazer acontecer um novo florescimento econômico com petróleo mais barato?
Vamos desenrolar esse nó. O dinheiro que foi para as fortunas dos sheiks árabes desde a década de 70 foi em grande parte aplicado em empresas capitalistas ocidentais. Depois, migrou para países onde houve processos de privatização a preços vis. Com a crise de 2008, ativos perderam valor em todo o mundo e novamente os árabes da OPEP foram às compras, pegando galinhas mortas em todo o mundo.
Em suma: quem criou a crise comprou meio mundo a preço de banana com o dinheiro a mais que ganhou provocando a crise. E agora, permitindo que a crise se abrande e os ativos recuperem valor, perdem na venda de petróleo mas ganham muito mais com a valorização de tudo que compraram até aqui. Bancos, indústrias, agronegócio, transportes, etc, etc.
A redução de preços atingiria uma empresa como a Petrobrás de várias formas. Como hoje somos importadores, haveria um aspecto positivo. Já o plano de investimentos em exploração poderá dar uma freada. No Brasil certamente os combustíveis não baixariam de preço, mas demandas no setor petroquímico poderiam trazer novas fontes de ganhos. Além do mais, com a queda dos preços no mercado mundial haverá aumento de demanda, ou seja, mantendo-se os níveis de produção e crescendo a necessidade para fazer frente à recuperação das economias os preços novamente subiriam atingindo um novo patamar de equilíbrio.
Até aí o mundo dos mortais também lucra, afinal, o fim da recessão global reaquece economias, volta a gerar empregos, renda, etc. A pergunta que não quer calar é: qual o ponto de equilíbrio para o cartel, ou seja, onde pararão a queda dos preços para reaquecer a economia e favorecer seus outros negócios? A outra pergunta é: quanto tempo isso vai durar?
Por que poderia ser uma "oferta por tempo limitado"? Olhando para o cenário de poucos anos, o cartel enxerga os Estados Unidos investindo cada vez mais em tecnologias de exploração (fracking) para reduzir importações, um grande produtor em potencial, o Brasil, entrando no mercado exportador até o fim da década e muitos outros potenciais exploradores investindo em processos caros, que se pagam se o petróleo estiver na faixa dos US$ 100. Se cair a US$ 60, muitos poços mundo afora serão desativados por não compensarem ser explorados. O nosso pré-sal fica na marca do pênalti, com custos de US$ 50.
O meio-ambiente também seria outro perdedor, pois muitas das tecnologias energéticas alternativas de alto custo podem ser colocadas para escanteio numa competição em preços, mantidas apenas por privilégios legais. Isso pode encarecer os custos de produção, por exemplo, da Alemanha. E espalhar pelo mundo uma onda de construção de termelétricas á base de petróleo. No mundo dos mortais, a redução do preço dos combustíveis deverá entulhar mais as ruas com veículos e desestimular o investimento em transportes coletivos.
E a geopolítica? Haverá países beneficiados e outros prejudicados, bem como empresas poderosas.
As empresas exploradoras de petróleo de todo o mundo estarão preparadas para redução nos seus ganhos? Esses grupos econômicos, durante décadas, apoiaram ou derrubaram governos, promoveram guerras e apoiaram ditaduras como as do núcleo da OPEP - Arábia Saudita, Catar, Emirados Árabes. E países como a Rússia, maior produtor de petróleo do mundo, acossada por sanções econômicas e estruturada sobre a venda de petróleo e gás? O cartel responde por 1/3 da produção, mas os demais estão revoltados com a medida de baixar o preço.
E a Petrobrás, cujas ações hoje despencam quase 4% na Bolsa, e não é por causa de quadrilhas, mas pela nova realidade econômica que está impactando todas as produtoras de petróleo? Por um lado, enquanto somos importadores, a notícia da queda de preços é boa porque tira a pressão sobre o preço dos combustíveis. A questão está nas premissas que embasaram o plano de investimentos de longo prazo da Petrobrás, ou seja, na perspectiva de um preço do petróleo mais algo que o atual. Isso deverá gerar menos resultados que os esperados, trazendo baixa atratividade para suas ações e problemas de financiamento.
Isso também é problema para os bancos que, em todo mundo, financiam programas de investimentos de petrolíferas. No geral, os números da Bovespa mostram uma pequena alta, ou seja, o impacto sobre a Petrobrás pode ser minimizado pelas perspectivas positivas para outros setores. Na Bolsa de Nova Iorque a situação é parecida: o Dow Jones sobe levemente enquanto ações da Exxon e Chevron despencam mais de 4%.
A Arábia Saudita é a maior exportadora na OPEP. Sua resistência a manter preços impactará positivamente os países importadores, como boa parte da Europa, Japão, China e mesmo os Estados Unidos. E levará à instabilidade política, por exemplo, a Venezuela, maior exportadora do mundo, que depende dos recursos do petróleo para programas sociais. Estaria a Arábia Saudita, que está por trás de movimentos de desestabilização política em vários países do Oriente Médio, disposta a ver a Venezuela cair em mãos de governos de colaboração com os EUA que poderiam vender óleo a preços privilegiados ou conceder áreas de exploração? O mesmo vale para a Rússia, que não é do cartel, mas pode inundar o mundo com petróleo barato. E até o Brasil, que não é exportador, mas é uma ameaça em potencial.
Considerando-se que o mundo do petróleo não é democrático nem respeita fronteiras, abre-se uma nova perspectiva nas tensões mundiais. Enxerga-se por trás dessa redução de preços uma jogada de "dumping" para eliminar concorrentes por prazo determinado. Vamos ver o que acontece nos próximos dias. Não será surpresa se uma "primavera árabe" ou um "ISIL" chegar ao núcleo duro do cartel.
Cair o preço do petróleo é bom para quase todos. Nos lugares onde a queda for repassada aos preços haverá ganhos instantâneos de competitividade por redução de custos. Nas empresas aéreas, por exemplo, onde 45% do custo é com combustível de aviação, a queda de preços pode estimular as viagens. O mesmo vale para transportes à base de derivados de petróleo em geral e geração de energia elétrica, como termelétricas à base de diesel. O mundo todo deveria respirar aliviado com essa notícia e aplaudir a Arábia Saudita, líder do cartel, como grande colaboradora para a recuperação da economia global, certo?
Se o primeiro choque do petróleo em 1973 jogou o mundo numa crise sem precedentes e encheu os cofres dos produtores de petróleo, não seria uma contradição agora os países do cartel baixarem os preços, aparentemente perdendo dinheiro, em benefício das economias de todo o mundo? Seria isso uma espécie de consciência global, de grande filantropia, para fazer acontecer um novo florescimento econômico com petróleo mais barato?
Vamos desenrolar esse nó. O dinheiro que foi para as fortunas dos sheiks árabes desde a década de 70 foi em grande parte aplicado em empresas capitalistas ocidentais. Depois, migrou para países onde houve processos de privatização a preços vis. Com a crise de 2008, ativos perderam valor em todo o mundo e novamente os árabes da OPEP foram às compras, pegando galinhas mortas em todo o mundo.
Em suma: quem criou a crise comprou meio mundo a preço de banana com o dinheiro a mais que ganhou provocando a crise. E agora, permitindo que a crise se abrande e os ativos recuperem valor, perdem na venda de petróleo mas ganham muito mais com a valorização de tudo que compraram até aqui. Bancos, indústrias, agronegócio, transportes, etc, etc.
A redução de preços atingiria uma empresa como a Petrobrás de várias formas. Como hoje somos importadores, haveria um aspecto positivo. Já o plano de investimentos em exploração poderá dar uma freada. No Brasil certamente os combustíveis não baixariam de preço, mas demandas no setor petroquímico poderiam trazer novas fontes de ganhos. Além do mais, com a queda dos preços no mercado mundial haverá aumento de demanda, ou seja, mantendo-se os níveis de produção e crescendo a necessidade para fazer frente à recuperação das economias os preços novamente subiriam atingindo um novo patamar de equilíbrio.
Até aí o mundo dos mortais também lucra, afinal, o fim da recessão global reaquece economias, volta a gerar empregos, renda, etc. A pergunta que não quer calar é: qual o ponto de equilíbrio para o cartel, ou seja, onde pararão a queda dos preços para reaquecer a economia e favorecer seus outros negócios? A outra pergunta é: quanto tempo isso vai durar?
Por que poderia ser uma "oferta por tempo limitado"? Olhando para o cenário de poucos anos, o cartel enxerga os Estados Unidos investindo cada vez mais em tecnologias de exploração (fracking) para reduzir importações, um grande produtor em potencial, o Brasil, entrando no mercado exportador até o fim da década e muitos outros potenciais exploradores investindo em processos caros, que se pagam se o petróleo estiver na faixa dos US$ 100. Se cair a US$ 60, muitos poços mundo afora serão desativados por não compensarem ser explorados. O nosso pré-sal fica na marca do pênalti, com custos de US$ 50.
O meio-ambiente também seria outro perdedor, pois muitas das tecnologias energéticas alternativas de alto custo podem ser colocadas para escanteio numa competição em preços, mantidas apenas por privilégios legais. Isso pode encarecer os custos de produção, por exemplo, da Alemanha. E espalhar pelo mundo uma onda de construção de termelétricas á base de petróleo. No mundo dos mortais, a redução do preço dos combustíveis deverá entulhar mais as ruas com veículos e desestimular o investimento em transportes coletivos.
E a geopolítica? Haverá países beneficiados e outros prejudicados, bem como empresas poderosas.
As empresas exploradoras de petróleo de todo o mundo estarão preparadas para redução nos seus ganhos? Esses grupos econômicos, durante décadas, apoiaram ou derrubaram governos, promoveram guerras e apoiaram ditaduras como as do núcleo da OPEP - Arábia Saudita, Catar, Emirados Árabes. E países como a Rússia, maior produtor de petróleo do mundo, acossada por sanções econômicas e estruturada sobre a venda de petróleo e gás? O cartel responde por 1/3 da produção, mas os demais estão revoltados com a medida de baixar o preço.
E a Petrobrás, cujas ações hoje despencam quase 4% na Bolsa, e não é por causa de quadrilhas, mas pela nova realidade econômica que está impactando todas as produtoras de petróleo? Por um lado, enquanto somos importadores, a notícia da queda de preços é boa porque tira a pressão sobre o preço dos combustíveis. A questão está nas premissas que embasaram o plano de investimentos de longo prazo da Petrobrás, ou seja, na perspectiva de um preço do petróleo mais algo que o atual. Isso deverá gerar menos resultados que os esperados, trazendo baixa atratividade para suas ações e problemas de financiamento.
Isso também é problema para os bancos que, em todo mundo, financiam programas de investimentos de petrolíferas. No geral, os números da Bovespa mostram uma pequena alta, ou seja, o impacto sobre a Petrobrás pode ser minimizado pelas perspectivas positivas para outros setores. Na Bolsa de Nova Iorque a situação é parecida: o Dow Jones sobe levemente enquanto ações da Exxon e Chevron despencam mais de 4%.
A Arábia Saudita é a maior exportadora na OPEP. Sua resistência a manter preços impactará positivamente os países importadores, como boa parte da Europa, Japão, China e mesmo os Estados Unidos. E levará à instabilidade política, por exemplo, a Venezuela, maior exportadora do mundo, que depende dos recursos do petróleo para programas sociais. Estaria a Arábia Saudita, que está por trás de movimentos de desestabilização política em vários países do Oriente Médio, disposta a ver a Venezuela cair em mãos de governos de colaboração com os EUA que poderiam vender óleo a preços privilegiados ou conceder áreas de exploração? O mesmo vale para a Rússia, que não é do cartel, mas pode inundar o mundo com petróleo barato. E até o Brasil, que não é exportador, mas é uma ameaça em potencial.
Considerando-se que o mundo do petróleo não é democrático nem respeita fronteiras, abre-se uma nova perspectiva nas tensões mundiais. Enxerga-se por trás dessa redução de preços uma jogada de "dumping" para eliminar concorrentes por prazo determinado. Vamos ver o que acontece nos próximos dias. Não será surpresa se uma "primavera árabe" ou um "ISIL" chegar ao núcleo duro do cartel.