segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Aposentados : "vagabundos", "burros-de-carga" ou pessoas livres?

Estabeleceu-se o dia 24 de janeiro como o Dia do Aposentado no Brasil. Poucos sabem que nessa data, em 1923, foi assinada a Lei Eloy Chaves, que criou a caixa de aposentadorias e pensões para as ferrovias privadas, o primeiro segmento a ter seguridade, além dos funcionários públicos. Esse ato, resultante de lutas dos trabalhadores, abriu o caminho para diversas categorias conquistarem o mesmo.

Hoje a Previdência Social é unificada e obrigatória a todos os trabalhadores, e paga benefícios até a quem não contribuiu, tornando-se um importante instrumento de distribuição de renda. Isso, claro, para os idosos e o pessoal do Funrural, não para os governadores de estado que escandalosamente recebem aposentadorias milionárias mesmo tendo ocupado o cargo interinamente por algumas semanas.

O dia do aposentado virou uma espécie de Dia das Mães com mais falsidades, afinal, todo mundo precisa ou precisou um dia de uma mãe, mas com o aposentado a coisa é muito diferente. Paradoxalmente, aposentados representam um incômodo a alguns, burros de cargas para outros, fontes de negócios, votos, fonte de recursos para parentes, experiência, inutilidade, decadência, um "mal necessário", como se fossem despojados da condição de seres humanos e passassem a ser vistos pelo que representam a cada setor.

Os aposentados incomodam em vários sentidos. Os capitalistas, no fundo, acham que os trabalhadores, após renderem seus últimos centavos de mais-valia, deveriam ser descartados como lixo. O lema "quem não vive para servir não serve para viver" traduziria com perfeição esse inconfessável desejo genocida. A razão é que, ao deixar de gerar acúmulo ao capital, o aposentado vira despesa social, que recai sobre impostos, que capitalista nenhum quer pagar.

Daí vem a ladainha que todo dia e toda hora vemos nos meios de comunicação dos ricos: o governo tem que fazer uma reforma da previdência, aumentar o tempo de serviço, manter o fator previdenciário, desvincular os benefícios do salário mínimo, desindexar o reajuste das aposentadorias da inflação (para baixo, claro!).

Esse mantra é repetido a tal ponto que parte dos trabalhadores considera razoável trabalhar mais e viver menos a aposentadoria, a pretexto do envelhecimento da população, desconhecendo que os mais saudáveis e abastados vivem mais, enquanto os menos favorecidos continuam vivendo menos. Uma das primeiras ações do governo Lula foi a reforma da previdência, que também foi feita por FHC(que chamou os aposentados de "vagabundos") e praticamente todos os governos anteriores, e agora se quer de Dilma o mesmo, a pretexto de reduzir o "déficit" da previdência.

Como o volume de recursos em reservas previdenciárias é imenso e fica parado por muito tempo, governos e capitalistas querem usá-los para política ou empreendimentos arriscados. Isso vale para o setor público, onde dinheiro da previdência foi usado para bancar boa parte da construção de Brasília, e para o setor privado, onde recursos de fundos de pensão são carreados para projetos muitas vezes sem futuro e de alto risco.

Temos o caso recente do confisco de metade do valor do superávit da PREVI - Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil, feito de forma ilegal com base numa regulamentação infra-legal da Lei Complementar 109 pela Resolução 26 da CGPC. Outros fundos de pensão farão o mesmo, sob risco de nulidade dos seus atos, mas o importante é pegar o recurso agora e não repor depois.

No caso da PREVI houve um lamentável caso de traição por pessoas que deveriam representar os aposentados e os trabalhadores ativos, dos sindicatos da CUT às associações de aposentados do BB. A ilegalidade recebeu um molho de "aprovação" pela minoria de 40% dos interessados que votaram num plebiscito patrocinado pelo governo (BB, Ministério da Fazenda, Ministério do Planejamento, PREVIC), que votaram num acordo pelo qual abririam mão de metade do superávit a que tinham direitos integrais para "doar" à contabilidade do Banco do Brasil. Muitos incorporaram o discurso da necessidade de dividir o "excesso" tão propagado pela mídia.

Desta vez, a bagatela de R$ 7,5 bi, em troca de mudanças nos benefícios que favorecem os de maior renda, com efeitos transitórios para os de menor renda. Isso está sendo questionado na justiça e poderá trazer problemas aos que montaram essa operação de expropriação ilegal. Do outro lado do balcão, pretende-se fazer dos superávits conjunturais uma indústria de recursos baratos para os patrocinadores, que agora também querem ser beneficiários...

A idéia de previdência ainda não é clara para uma parte dos trabalhadores, que consideram infinitos os seus recursos, diante da magnitude atual, mas que poderão fazer falta no longo prazo. Quem tem a clara noção disso é a elite espertalhona, que se aproveita da ignorância geral para pegar os recursos previdenciários dos trabalhadores para ganhar muito dinheiro.

Se os aposentados "servem" para sustentar capitalistas enquanto ativos e depois enquanto detentores de imensas reservas previdenciárias, também servem de ponto de apoio às suas famílias. O caso mais visível é o do aposentado na área rural. Os R$ 510 pagos até o fim do ano passado mensalmente podem parecer pouco para nós que vivemos na cidade, mas nas pequenas propriedades, onde há algumas culturas de subsistência, esse é o recurso para trocar por mercadorias que trazem conforto e bem-estar como eletrodomésticos, manutenção residencial, remédios, etc.

Esses velhos são considerados ricos, bajulados por parentes e comerciantes, que, ao contrário dos capitalistas e governos, desejam-lhes longevidade. Os recursos dos aposentados representam uma renda importante para muitos municípios brasileiros. Com o avanço do salário mínimo acima da inflação, esse dinheiro multiplicou na economia dos mais longínquos rincões, num processo invisível que alimenta o consumo que não deixou o Brasil entrar na crise global.

O normal, entretanto, é vermos aposentados reclamando de tudo na vida, principalmente quando os recursos das aposentadorias são insuficientes para manter minimamente o padrão de vida do tempo de labuta. Aí aparecem os parasitas do sistema financeiro para dar uma "ajudinha" na forma de emprestimos consignados e outras "facilidades" da escravidão por agiotagem. Há outros tipos de parasitismo, como de parentes que usam os velhinhos como vacas leiteiras, ou seja, a cada mês confiscam-lhes os recursos da aposentadoria e apenas lhes dão o suficiente para manterem-se vivos. Essa crueldade, da exploração de idosos e maus-tratos, nem sempre é denunciada às autoridades com base no Estatuto do Idoso.

Há uns 15 anos, numa palestra da PREVI, alguém disse que cerca da metade dos funcionários aposentados do BB sustentava mais de uma família, por pensões ou por insuficiência de renda dos filhos, netos, etc. Um expressivo percentual mantinha essas famílias na própria casa. Nessa conta entram também os casos do parágrafo anterior, da exploração com maus tratos. Conheço vários casos desses, que são camuflados pelos próprios lesados como forma de não ver entes queridos na cadeia pela crueldade do confisco violento dos benefícios. Pior: atacam a auto-estima das pessoas, para considerá-las loucas e, portanto, incapazes de mexer com dinheiro.

Afinal, quem é o aposentado? Até há poucos anos era obrigatória a demissão do trabalhador para receber os benefícios previdenciários. Hoje há um bom contingente de pessoas que atingiram as condições básicas para a aposentadoria oficial e continuam trabalhando, seja por vício, necessidade, auto-estima ou perspectiva de carreira. Aposentar-se, para muitos, é considerado uma aventura, um salto no escuro. Vai além da obrigatória perda do poder aquisitivo. Tem a questão do poder. Um executivo poderoso, que manda muito em muita gente, de repente vê-se diante de uma família a quem durante anos não deu a atenção devida, dos problemas do cotidiano que não enxergou enquanto estava na correria do trabalho, e do nivelamento com os demais, para quem sempre foi provedor e, portanto, tinha o mando de tudo.

Imaginem o Lula agora. Não o vejo jogando dominó numa pracinha de São Bernardo do Campo. Está muito acelerado, e não serão uns dias numa praia sem ninguém por perto que o farão enquadrar-se como aposentado. Vai voltar e continuar a trabalhar. Isso acontece com muita gente, que tem a sensação de dever ainda não cumprido. De ter deixado algo importante sem conclusão, julgando-se imprescindível. Se desde o tempo do trabalho a pessoa não tiver um projeto para o afastamento, irá se tornar cliente potencial para a depressão pós-trabalho.

Aposentadoria é um projeto de longo prazo, além da reserva previdenciária. Está ligada à vontade de fazer coisas que a lógica do mundo do trabalho capitalista não permite, por fazer das pessoas meros insumos para os seus mecanismos e processos. A grande maioria das pessoas faz projetos para entrar na máquina da exploração, como se ao final do seu período produtivo para o capital fosse morrer. Há vida após o trabalho, e ela pode ser muito boa e feliz, desde que não se perca a noção do sentido da nossa existência. As pessoas podem muito mais, mesmo com menos recursos, desde que se determinem a isso.

Aposentadoria deve significar liberdade. Realização em todos os sentidos. Uma meta a atingir, lutando pelas condições dignas de trabalho para chegar lá com saúde, com uma boa previdência, com poupanças feitas a partir de salários melhores, de melhores condições de assistência pelo Estado. Cuidar da família para ter filhos que busquem suas próprias condições de crescimento. Romper a lógica da exploração, pensar numa sociedade melhor, mais justa, onde as pessoas não façam planos para viver, um dia, uma aposentadoria boa, mas para que todos os dias sejam bons.

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