segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Maratona Báltico 2013 - 0014 : Auschwitz : A lucrativa e eficiente indústria da morte

"O trabalho liberta" - frase no portão de Auschwitz I
Cada campo tinha subcampos, com indústrias próximas
Visitamos o campo de concentração de Auschwitz, que fica a 70 km de Cracóvia, na Polônia. Um passeio que deixa muita gente deprimida com a demonstração de tanta crueldade. Acho que qualquer ser humano, por ética, repudia tudo que foi feito ali, como também no grande campo de concentração que é a Palestina nos dias de hoje.

A questão que pude perceber da visita, e em especial das palavras dramáticas da guia, que deixou de ser professora para levar às pessoas a história dali, é que na segunda guerra mundial  se fez de Auschwitz, em especial de  Auschwitz II- Birkenau, uma indústria da morte servindo a interesses econômicos.

E em Auschwitz-Monowitz estava a chave do processo: indústrias alemãs montadas especialmente para sugar o trabalho escravo dos campos de concentração. A história fala em "trabalhos forçados", como se aquilo fosse uma penitenciária, mas era escravidão mesmo, com descarte programado. Havia campos de concentração em todas as áreas conquistadas, onde o trabalho escravo tinha como perspectiva exclusivamente a morte. E não apenas de judeus, ciganos e outros historicamente discriminados, mas dos povos dominados em geral.

Câmaras de gás liquidavam os que não podiam trabalhar
O que a gente ouve falar sobre campos de concentração nazistas foca na crueldade contra seres humanos com base na discriminação ideológica, étnica e política. Foram mortas mais de 20 "categorias" de humanos, com maior número de vítimas judias. Só em Auschwitz morreram industrialmente quase 1 milhão de pessoas.  Mas, se era para exterminar, por que construir dezenas de campos com alojamentos? Qual a razão da sobrevida para alguns?

O capitalismo desde suas origens explora pessoas pagando-lhes algo em troca do trabalho, como se compensassem o esforço físico e mental despendido na produção de mercadorias, sempre abaixo das necessidades do trabalhador, apropriando-se da diferença. Nos primórdios do capitalismo não existiam direitos trabalhistas, os ambientes de trabalho eram insalubres, pagavam migalhas do que exploravam, mas tinham algum custo com a produção advindo do emprego de mão-de-obra.
Cercas eletrificadas em volta do campo

Paredão de fuzilamento em Auschwitz I
Currais desumanos alojavam trabalhadores
Revoltas dos trabalhadores obrigaram à melhoria das condições de trabalho e salários, legislações, etc, e os capitalistas reformularam seus modelos de exploração à medida do crescimento dos custos. Enquanto no campo prevaleciam as relações feudais de trabalho, com semi-escravidão de trabalhadores livres, nas cidades a concentração de operários e sua capacidade de mobilização impediam tal exploração. Os capitalistas, por sua vez, procuravam com o apoio de governos manter sempre mão-de-obra ociosa, miserável, de modo a funcionarem como exército de reserva para rebaixar os direitos sociais.

Mesmo nos modelos escravagistas, onde os trabalhadores eram comprados como mercadorias e tratados como ativos, era necessário mantê-los vivos e saudáveis. A morte de um escravo era uma perda de patrimônio. Numa guerra uma das riquezas que se trazia para venda era o povo derrotado escravizado.

O que houve no nazismo foi a mais radical forma de exploração já experimentada nos modos de produção capitalista ou escravagista. Mão-de-obra quase infinita, gratuita, sem nenhum valor patrimonial, descartável. O que davam aos trabalhadores era insuficiente para repor suas energias. Preocupação com família, previdência, saúde, educação, transportes? Nada disso. Não presta mais, joga na câmara de gás e chama outro.

Se um capitalista "civilizado" e "moderno" consegue ter mais-valia e lucros mesmo pagando tudo o que as leis atuais impõem, imaginem quanto não ganhariam com a redução brutal desse custo?
Crematório dos corpos dos mortos nas câmaras de gás

Desde os tempos mais primórdios as guerras costumam trazer bons negócios para os vencedores. O mais forte conquista e saqueia, depois cobra impostos e explora as riquezas com mão-de-obra escrava. Quem bancou o esforço de armamento da Alemanha, falida após a 1a grande guerra? Como acumulou tantos recursos bélicos? Para quem financiou isso, a guerra seria um investimento, um empreendimento.

A Alemanha incorporou riquezas inimagináveis saqueando toda a Europa e o norte da África. Esse esforço move cadeias produtivas nacionais na produção de bens para viabilizar as investidas.  Esses bens são comprados pelo país aos empresários, que têm lucros. Os recursos para as compras vêm dos impostos locais, a princípio, e depois das remessas enviadas pelos dominados. Os capitalistas do lado vencedor também ganham mercados nas áreas dominadas. Bancos em paraísos fiscais recebem depósitos de empresários e de políticos e militares corruptos. Se perderem a guerra, vão para outros países e usam suas fortunas acumuladas. É um "bom prá quase todos". Menos para os que perdem.
Livros à venda em Auschwitz mostram eficiência na morte

Alguém ganhou muito dinheiro matando toda essa gente. Focando nos judeus o saque era garantido: historicamente era um povo que acumulava riquezas como garantia previdenciária. E portáteis, pois eram perseguidos por todo lado, necessitando a qualquer momento fugir levando bens preciosos como jóias para recomeçar a vida em outro lugar.

Pacíficos, sempre acuados por perseguições na Europa. Odiados pelo anti-semitismo. Eleger os judeus como vilões e a partir daí, com o apoio da sociedade majoritária, tirar-lhes tudo seria moralmente justificável. O que os alemães comuns talvez desconhecessem era a que ponto isso chegou. E que muitos foram enganados pela propaganda para a guerra e extermínio com propósitos lucrativos, pagando com as próprias vidas e de suas famílias um preço que não entrou nos custos dos que lucraram .

Os campos de concentração resolviam vários problemas desse projeto: eliminavam adversários políticos, angariavam simpatias dos povos retirando dos convívios os "indesejáveis", e principalmente permitiam que empresas, militares e políticos nazistas ganhavassem muito dinheiro. Que era mandado para as contas numeradas da "neutra" Suíça.

Não era só eugenia, supremacia ariana ou anti-semitismo. Muito mais em jogo. Mercados, espólios de guerra, remessas de tributos, expropriação de imóveis, empresas, etc.

Banheiro coletivo em Auschwitz II - Birkenau
A estrutura dos campos de concentração, se só tivessem finalidade de extermínio, seria lucrativa para os empreendedores. Cada judeu, teoricamente detentor de algum tipo de riqueza portátil,
só poderia levar 25kg de bagagem na deportação, ou seja, só levavam o que havia de mais valor. Em Aschwitz II - Birkenau o processamento era tecnicamente perfeito: já ficavam nos trens os bens, havia a triagem dos que viveriam e dos que seriam imediatamente mortos, depois lhes tiravam os cabelos, óculos, dentes de ouro, alianças, roupas e sapatos que seriam reciclados para gerar receitas. As cinzas dos mortos eram usadas como adubo. Baixa despesa de manutenção, porque a grande maioria era imediatamente morta. E os demais, para que preservar?

O gás Zyklon se solta das pedras a 27 graus nas câmaras lotadas
A indústria farmacêutica tinha nos presos um laboratório perfeito para testes de medicamentos em cobaias humanas. Sem nenhuma restrição ética, moral, nada. Se morresse alguém não era problema. Se desse alguma reação adversa o estudo era científico.

O fabricante do gás Zyklon das câmaras de extermínio era a IG Farben, que empregava milhares de escravos de Auschwitz. Depois da guerra foi desmembrada (era a fusão de várias empresas) e dela saíram novamente a AGFA, BASF, Bayer, Hoescht e outras menores, poderosas no pós-guerra.

Janela de um escritório do  campo de Auschwitz 1
As demais indústrias com uso intensivo de mão-de-obra tinham escravos praticamente sem custos. Descartáveis. Sem direitos, nada. Os capitalistas, como nunca na história, produziram mercadorias com praticamente nenhum custo de mão-de-obra e sem necessidade de mercado, pois havia um grande comprador que imediatamente consumia tudo que se fabricava. E conhecendo-se a praxe das ditaduras, deviam vender seus produtos ao governo a preços superfaturados. Não é à toa que acabada a guerra várias dessas empresas ressurgiram das cinzas, mesmo com todas as fábricas destruídas.

Pìor: hoje na Polônia vemos multinacionais alemãs no mercado comprando empresas polonesas privatizadas a preço de banana desde o governo do "sindicalista" Lech Walesa.

Era o bonde sem freio do capitalismo. Um experimento ímpar. Se o nazismo tivesse ganhado a guerra hoje seríamos mais ou menos como os humanos que forneciam energia em Matrix.

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