quinta-feira, 21 de julho de 2011

Dilma e os "políticos"

Já são 15 demissões e afastamentos no Ministério dos Transportes desde as primeiras denúncias de corrupção. O Partido da República - PR, acusado de cobrar 4% sobre os contratos de obras públicas para deixá-los fluir sem problemas, diz que está sendo injustiçado, insinuando que todos os demais partidos da base aliada fazem o mesmo, porém ainda não foram pegos, mas se o forem, querem idênticas punições.


Para quem se orienta pela "lógica da política" brasileira, a presidente Dilma está parecendo um rinoceronte numa loja de cristais no episódio dos Transportes. Ou como uma herege. Nessa "lógica", o "natural" num governo é a distribuição de poder econômico, que vai além do interesse em construir o melhor para os cidadãos e, do trabalho profícuo e honesto de cada partido da base aliada, construir-se referenciais que permitam favorecer seus candidatos em eleições futuras e estabelecer novas correlações de força.

Muito além dos mais louváveis desejos do povo, a leitura da "política" é a seguinte: temos tantos deputados e senadores, queremos ministérios que nos garantam a gestão de tantos bilhões de reais, senão a gente passa a vender cada voto no varejo, a cada votação, para o governo. Por que os bilhões de reais? Porque deles sairão os recursos para novas campanhas, para pagar as antigas, e para enriquecimento pessoal dos titulares dos cargos, de suas famílias, amigos, etc.

Lula sabia muito bem desses esquemas, por isso usou da sua incrível habilidade para transitar por toda a malha institucional, angariando aqui e ali pequenos avanços em troca de vistas grossas para a bandalheira, a ineficiência, a incompetência, etc. Acima de tudo, respeitava os acordos com os aliados, de qualquer origem, e os premiava com benesses. Isso vai do empresariado pelego ao sindicalismo pelego, passando até pela oposição e pela mídia de direita. A espinha de Lula se vergava a cada episódio para minimizar os choques entre os parceiros e contra o seu governo.

Lula fazia o jogo, defendia até onde podia os bandidos do partido e do governo, não deixava ninguém cair na boca dos tubarões. Teve sucesso nadando nesse rio de piranhas da política, conseguiu resultados sociais e econômicos expressivos e inéditos, elegeu sua sucessora e saiu para a história como o melhor presidente que o Brasil já teve. O preço que pagou, porém foi muito caro: inflacionou o mercado da corrupção, elevando a "taxa de intermediação" dos recursos públicos para atender à faminta base de apoio. O Brasil saiu da corrupção virtual, que era baseada nos contratos de propaganda e marketing e nas privatizações para a corrupção real, das obras e compras.

Ao afastar os supostos integrantes de quadrilhas que dominariam o Ministério dos Transportes, Dilma quebra esses acordos, rompe com essa "lógica política". Até aqui tem tido sucesso, porque os escândalos são gritantes, deixando o PR acuado. Para a oposição eles não vão, porque lá não tem dinheiro, mas terão que aceitar uma enorme redução do poder de gestão sobre recursos públicos, o que será um duro golpe para o fluxo de caixa do partido e das "redes de interesses".

A mídia de direita vende a idéia do rompimento de Dilma com as práticas de Lula. Tem razão, em parte. Quando Dilma passa por cima de tudo para moralizar a máquina pública, retoma os valores do PT da origem, que Lula já teve, mas que se perderam ao longo do tempo nos acordinhos e acordões para chegar ao governo, a princípio por tática, depois passaram a ser estratégicos, resultando nesse PT desfigurado, eivado de denúncias de corrupção e principalmente sem ideologia.

Dilma pode ir além disso na faxina, mas terá que fazer novas alianças. Primeiro, com o povo, o que é muito complicado porque não tem o controle dos movimentos sociais, que hoje fazem parte do esquema de fisiologismo, e sem eles é difícil a mobilização, mas não impossível. Povo na rua em apoio a Dilma contra a corrupção é algo impensável na "lógica política", mas viável considerado o poder das redes sociais. Pressionar os políticos corruptos como um todo, levando a insatisfação a manifestações populares, empoderaria Dilma para novos avanços parciais.

Segundo, com a mídia tradicional. O apoio da mídia que vem recebendo a cada demissão será encerrado assim que entendam que Dilma se fortalece demais, o que não interessa à direita, que pretende apenas isolá-la de Lula, do PT e principalmente da base de apoio para ter um governo à deriva e facilitar a chegada do PSDB, DEM e outros ao poder.

Terceiro, com a base aliada mais programática, à custa de mais espaços e blindagens para fazerem vistas grossas e jurarem fidelidade, enquanto trucida os mais fracos. Isso também é da "lógica política" vigente.

Dilma tem melhores condições de governabilidade que Lula teve no início do seu mandato, o que não exigirá muito jogo de cintura, que ela não tem. A aliança estratégica com o PMDB, PC do B, PSB e PDT lhe garante boa parte da base parlamentar baseada em programa e calçada por cargos. O mercado de varejo, dos votinhos que faltam, terá bem menos peso que na Era Lula, daí o custo de corrupção, das emendinhas dos parlamentares e outras mutretas, tem chance de ser menor. Ela tem uma certa margem para bater nas legendas de aluguel.

Acredito que Dilma continuará a bater no PR e criará um padrão para exibir aos demais partidos da base aliada. Já determinou que o partido poderá nomear os substitutos dos cargos que estão vacantes, mas que ninguém poderá ter processos judiciais sequer em primeira instância. Isso reduz muito a chance do PR nomear alguém de expressão, de ficha limpa. Quer a redução no preço das obras. Nega-se a pagar os 20% a mais das obras do PAC, exigidos pelo ministério. Manda um recado: quem se descuidar e criar problemas, será punido mais ou menos desse jeito. Vamos ver depois a rebordosa dos chantagistas nas futuras votações do congresso.

Nenhum comentário:

Postar um comentário