Noutro dia o filósofo e ex-padre Leonardo Boff, num ótimo artigo sobre liberdade de expressão feito no calor do ataque à revista Charlied Hebdo, falava do humor corajoso, que critica os mais fortes, e do humor covarde, que ataca os mais fracos. Fez essa distinção para qualificar os ataques ao Islã feitos pela revista francesa como humor covarde, já que os muçulmanos na França e por toda a Europa sofrem todo tipo de discriminações, xenofobia e são associados ao terrorismo.
Humor não fala da acusação de corrupção de Cerveró, mas acentua deficiência física. |
Por mais covarde que tenha sido esse tipo de humor, o Charlie Hebdo tinha nomes dos autores de cada charge e um endereço físico. Nesse ponto foram corajosos e acreditaram na superioridade do "modo de vida francês" sobre os que não se adaptam a ele, na visão xenofóbica da direita francesa. Atacaram sem cessar um inimigo que entendiam estar subjugado, contido no seu gueto, incapaz de algo contra si próprios.
Muitos pagaram por esse erro com a vida, mas seus propósitos se fortaleceram. Milhões foram às ruas no movimento "Je suis Charlie Hebdo" para dizer implicitamente quem é a maioria na França e que os seguidores de Maomé se recolham à sua pretensa insignificância de 10% da população. Já circula uma nova edição da revista, igualmente provocadora, com maior tiragem já esgotada, traduzida também para o árabe. Parece estar em jogo o direito de linchar a religião seguida por bilhões de pessoas.
Analfabetismo funcional : incapacidade de formular pensamentos complexos |
No Brasil o humor covarde e a liberdade de linchamento também encontram na extrema-direita e na falta de noção que impede que 500 mil jovens escrevam qualquer coisa inteligível numa redação do ENEM. Uns poucos elaboram, com a falsa invisibilidade garantida pela Internet, e milhares que não têm capacidade de raciocinar politicamente ou criticar à base de valores morais e éticos ou mesmo legais o que propagam. Todos os dias milhões de pessoas distribuem alegremente calúnias, difamações, ataques covardes a pessoas e instituições, propagando o ódio como liberdade de expressão.
O caso mais recente é a enxurrada de imagens tendo o ex-diretor da Petrobrás Cerveró como inspiração. O homem, não importa o que fez da sua vida particular, tem algo pelo que não pode responder como ato seu: uma deformação em um dos olhos. O que o levou à notoriedade foi um crime de corrupção na empresa, que deveria ser o foco de qualquer comentário ou crítica, mas as pessoas preferem fazer humor com a sua deficiência visível.
O Papa Francisco declarou que se alguém xingasse sua mãe ele daria um soco na cara. Isso quer dizer que o direito à reação à agressão legitimaria um ato extremo, como o ataque ao Charlie Hebdo. No caso do Cerveró e em tantos outros há a covardia do anonimato em meio à turba ignara que protege o agressor. É puro linchamento. A avalanche de ódio anônimo, que encontra terreno fértil adubado pelo estrume do analfabetismo funcional dos muitos mais de 500 mil de redação zero para se reproduzir, está fazendo as pessoas piorarem como seres humanos e ameaça com uma espiral de reações a democracia.
Está aberta a porta para a barbárie. O Ministério da Justiça, preocupado com essa escalada que pode aumentar a violência, publicou uma mensagem sobre o assunto:
Liberdade de expressão é o direito de manifestar livremente opiniões e ideias. Entretanto, o exercício dessa liberdade não deve afrontar o direito alheio, como a honra e a dignidade de uma pessoa ou determinado grupo. O discurso do ódio é uma manifestação preconceituosa contra minorias étnicas, sociais, religiosas e culturais, que gera conflitos com outros valores assegurados pela Constituição, como a dignidade da pessoa humana. O nosso limite é respeitar o direito do outro.
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