A banalização da corrupção nos impede de ver as suas vítimas. Num primeiro olhar, trata-se de um negócio escuso onde o prejudicado é o governo ou um ente privado, já que a corrupção não é um malefício apenas ao setor público. Há quem diga que "o dinheiro é do governo, portanto, não é de ninguém", ou "o patrão é rico", e esse é o princípio que dá "moralidade" ao desfalque, à propina ou a qualquer forma de subtração de dinheiro destinado a alguma finalidade para bolsos privados. Outro pensamento que induz à impunidade é o "qualquer um que estivesse lá faria o mesmo", colocando a corrupção como uma oportunidade. Quem não rouba, nesse visão, é burro.
Pelos 23 anos que andei pelo interior do Nordeste vi alguns padrões interessantes de corrupção "moralmente aceita". A casa ou a fazenda do prefeito sempre distoavam da imensa maioria das demais, e o seu cargo sempre era alvo de cobiça e um desejo de consumo popular, pois ser prefeito era "ter o direito" a tudo aquilo. Enquanto isso, o esgoto corria a céu aberto, matando crianças com doenças evitáveis, as escolas continuavam sem professores ou com algum mal-pago, os pobres padeciam nas várzeas de rios a cada enchente por falta de programas habitacionais, os postos de saúde sem remégios, enfim, o preço da corrupção era explícito. Quando um prefeito fazia uma administração mais honesta, os resultados apareciam nas cidades na forma de melhoramentos urbanos e na cara das pessoas melhor tratadas.
Roubar dinheiro público, além de uma sacanagem com o bem-comum, é uma forma de assassinato indireto. Quantas vidas não poderiam ter sido salvas com os maços de notas que são furtados dos contratos de fornecedores do setor público para distribuir nos esquemas de mensalões? Esse dinheiro pode ser o da compra de remédios que nunca chegam, ou chegam vencidos ou são pirateados, e vão para os pacientes de remotos postos de saúde. Ou de obras de prevenção de desastres naturais, que não são feitas, ou são mal feitas, ou parcialmente feitas para sobrar dinheiro para enriquecer os corruptos públicos e privados, no caso, os próprios empreiteiros?
Hoje, dia mundial de combate à corrupção, o governo Lula mandou ao Congresso um projeto de lei que considera a corrupção crime hediondo e, portanto, inafiançável. Lula diz ser incompatível que um pobre vá para a cadeia por ter matado uma paca, por crime ambiental inafiançável, e a pessoa que faça um roubo de 1000 pacas fique solta. Também ficou de levar à reunião do G-20 a proposta de cerco aos paraísos fiscais, que só servem de porto seguro para dinheiro roubado.
Na ótica da impunidade, alguns dirão: "que moral tem o Lula para falar de crime hediondo, quando o PT foi o responsável pelo mensalão que envolveu muita grana?", no sentido de que nada pode ser feito porque todo mundo é bandido. A iniciativa louvável pode ter algum aspecto demagógico, mas repassa a bola para o Congresso, que terá que se pronunciar sobre este e mais 14 projetos de combate à corrupção que lá estão. Como o povo é passivo, vão engavetando tudo e deixando malas, meias e cuecas prontos para receberem o nosso suado dinheirinho.
quarta-feira, 9 de dezembro de 2009
Corrupção : crime hediondo
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