Respeito as opiniões de pessoas que vão ao local das crises e de lá retornam com informações e visões que permitem avaliar aspectos normalmente desprezados pelos interesses e afinidades da grande mídia. Também considero que a política de participação das forças armadas brasileiras em operações da ONU para estabilização de áreas de conflito deva levar mais que o estabelecimento da ordem, mas apoio à melhoria de condições de vida dos povos afetados. O problema é quanto tanto a grande mídia pró-americana como a pequena mídia pró-socialista vão ao local com conceitos firmados que dispensam a viagem.
O único partido brasileiro com posições claras sobre a participação brasileira na Minustah - operação militar da ONU no Haiti - é o PSTU. São a favor da retirada das tropas brasileiras desde antes do terremoto, por entenderem que o seu papel no país é o de garantir os interesses do grande capital na ilha. Reclamam que a participação brasileira se restringiria à repressão aos movimentos sociais a mando dos Estados Unidos.
Em recente entrevista à Carta Capital, o secretário-geral da central sindical e popular CNP Conlutas e candidato à presidência pelo PSTU em 2010, José Maria, afirmou que para o Haiti se desenvolver as tropas deverão sair. Que o povo deverá ser soberano, elegendo um governo representativo, sem a baixa participação e as fraudes que cercam o processo eleitoral em andamento. E que se houvesse investimento em infra-estrutura, e não em ocupação militar, menos hospitais e escolas ruiriam com o terremoto, matando menos gente, e não haveria a epidemia de cólera. O PSTU defendeu a saída das tropas brasileiras mesmo em meio ao caos pós-terremoto, e que a despesa correspondente à manutenção de militares fosse convertida em ajuda humanitária.
Concordo em parte : a ONU, até pela composição do seu Conselho de Segurança, no qual o Brasil e outros emergentes querem entrar, faz a política hegemonista de grandes potências. Se não o fizer, as potências simplesmente fazem o que querem ao arrepio das suas decisões, a exemplo da ocupação do Afeganistão por tropas americanas, canadenses, inglesas, etc. Participar de uma ação militar no Haiti é uma jogada de geopolítica, de colocar o Brasil como um ator no cenário das grandes decisões mundiais.
O povo haitiano não é o foco dessa ação. A questão é como fazer a retirada, já que o Haiti nunca teve instituições fortes na sociedade civil burguesa, em décadas de repressão de ditaduras da família Duvalier e governos corruptos. E tem uma situação de miséria que coloca a grande maioria do povo na condição de lúmpem-proletariado, sujeito a manipulações de qualquer natureza em troca de míseras esmolas. A classe operária organizada haitiana é mais um desejo que uma realidade, sem capacidade de direção de qualquer iniciativa revolucionária. Por outro lado, as quadrilhas, as gangues, os grupos remanescentes dos Ton Ton Macoute de Baby Doc, têm muito mais organização e armas para dominar a população.
O mérito da Minustah é o da pacificação da criminalidade organizada, a exemplo das ocupações das favelas cariocas. Sem isso, dificilmente a sociedade teria condições mínimas de se organizar. Como praticamente inexiste o Estado haitiano, a saída das forças de segurança da ONU fatalmente significaria o retorno das milícias do crime ao controle social e ao poder, com o esmagamento das lideranças de esquerda e ascensão de uma nova ditadura. Não é à toa que Baby Doc Duvalier, o ditador expulso há 25 anos, retornou agora ao país.
O pouco de ajuda humanitária que chegou ao Haiti depois do terremoto foi via Minustah, pois a desconfiança de corrupção nas instituições haitianas dificulta a remessa de doações. A Minustah também teve papel importante no resgate às vítimas do terremoto e na organização dos campos de refugiados. Na ocasião, o governo americano invadiu o Haiti, ocupando a logística estratégica, certamente temendo que Chávez ou o governo cubano aportassem por lá.
Não existe revolução sem direção revolucionária nem condições objetivas que levem as pessoas conscientemente à destruição do estado e construção de uma nova sociedade. Se hoje todas as forças de ocupação deixassem o Haiti, o mais provável seria uma guerra civil, onde emergiria a milícia mais poderosa após rios de sangue. O "quanto pior, melhor" só serve à direita, que tem maiores facilidades de se articular para tomar o poder numa crise que a esquerda. Ainda mais com o apoio norte-americano, que é pragmático, bancando qualquer tirano para evitar que uma peça do jogo geopolítico caia nas mãos de outra potência.
A lógica "revolucionária" do abandono também faz parte do discurso de outras correntes políticas de esquerda, que entendem a pacificação de favelas no Rio como uma forma de opressão militar, com mais malefícios que benefícios ao povo. Tudo que se viu no Rio, nos últimos 40 anos de ascenso do crime organizado e da dominação territorial, foi a opressão sobre as populações pobres, impedindo a entrada do Estado para melhorar a infra-estrutura, em troca de algum clientelismo. E o aprofundamento das relações de exploração, já que os trabalhadores tinham obrigações pesadas perante o estado paralelo, com constante ameaça às duas vidas.
O que se viu na ocupação do Complexo do Alemão foi um ato de libertação. Nunca houve tantas denúncias do tráfico, a partir do momento que a população sentiu que pode acabar com a opressão com o apoio do Estado, mesmo corrupto e cheio de ligações com a bandidagem. Nesse período, as poucas lideranças que se opuseram ao domínio do tráfico e das milícias foram mortas, sem capacidade de organizar resistências. o governador Sérgio Cabral foi reeleito pelos milhões de votos de pessoas que acham que a vida melhorou após as UPPs e de outros que as querem. A retirada das tropas do Alemão sem as UPPs significaria a ocupação do vácuo de poder local pelas milícias ou outros grupos de criminosos, já que não há autodefesa popular.
No Haiti, diferentemente do Rio, o projeto não prevê a implantação das UPPs, que garantem e estimulam a cidadania, apoiadas por ações de infra-estrutura dos governos. O que se pretende, com o apoio da ONU, é eleger um governo da pequena elite, tutelado pela Minustah, para reconstruir as instituições como as forças armadas a partir dos interesses das potências. A exemplo do Iraque, o governo controlaria os conflitos sociais permitindo a retirada das tropas.
Para o Brasil desistir da Minustah, que lidera, seria o mesmo que abrir mão das intenções de participar mais ativamente da elite da ONU, e entregar o comando a outra força poderosa da região, certamente os EUA. É uma sinuca de bico, que poderá ter desdobramentos piores caso fique patente a fraude na continuidade do processo eleitoral em curso. Hoje o governo brasileiro se posicionou em apoio ao relatório da OEA que mostra fraudes, e pode mudar até a posição da classificação dos candidatos ao segundo turno ou provocar novas eleições. Por ora, o governo haitiano mantém o ex-ditador Baby Doc impedido de sair do país, podendo ser julgado por crimes contra a humanidade. A presença brasileira é importante nesse processo, e sair agora pode ser um retrocesso.
Um membro do PSTU de Limoeiro do Norte-CE, Reginaldo Araújo, presidente do Sindicato dos Servidores de lá, enviou-me, ontem, um texto do teu blog sobre a postura da Luizianne Lins diante dos professores de Fortaleza. Assim, fiquei sabendo do blog. Gostei! Fiz campanha pra você (dep. federal) no ano de 1990. E para o Antonio Ortins também (O Gordo, como era conhecido). Visitarei o teu blog outras vezes. Gostei! Abraços.
ResponderExcluirCaro Webston,
ResponderExcluirBom saber que continua na luta sem abrir mão dos princípios. Obrigado.