É complicado comparar qualquer obra do regime militar com as feitas em períodos democráticos. Pretende-se passar, primeiro, uma supremacia de competência, dizer que a disciplina militar trazia realizações sem corrupção, sem falhas, etc. Vamos ao estudo de mais esse caso de "flexão da verdade".
A barragem de Sobradinho, no Rio São Francisco, tem 12,5 km de extensão. Na sua construção alagou várias cidades ("adeus Remanso, Casa Nova, Sento Sé, adeus Pilão arcado vem o rio te engolir" - Sobradinho - Sá, Rodrix & Guarabira). E o povo foi-se embora com medo de se afogar, diz a música.
Com tudo sob censura e as organizações sociais reprimidas, não teve Relatório de Impacto Ambiental, não teve cuidados especiais com os atingidos pela barragem, as desapropriações foram feitas sem possibilidade de resistência, dispensas de licitações, dinheiro a rodo sem controle de TCU, CGU, nem tinha Ministério Público ou bispo fazendo greve de fome contra a obra. Se fosse feita hoje dificilmente seria executada, basta ver a dificuldade de Belo Monte, Jirau e Santo Antõnio. Itaipu jamais seria feita nas condições de hoje.
Na época da construção de Sobradinho havia uma relação carnal entre grandes empreiteiras e governos militares. Grandes obras, grandes recursos, controle zero. Ponte Rio-Niterói, Transamazônica e outras grandes obras correndo ao arrepio do controle social. E as empreiteiras tinham know-how.
A transposição do São Francisco para irrigar bacias temporárias é um projeto que se arrasta desde o Império. Mário Andreazza, ministro do Interior da ditadura Médici, chegou a tomar algumas providências de projeto mas o assunto morreu. Assim também foi nos anos FHC.
Lula em 2003 mandou fazer projetos para serem submetidos aos estudos de impacto ambiental. Somente em 2007, quase ao final do seu primeiro mandato, Lula mandou o Exército começar as obras em um dos trechos. Por várias vezes ações judiciais pararam as obras, que eram feitas por empreiteiras privadas passando por licitações, tendo como parceiros governos estaduais, companhias de água, etc. Não são, portanto, 12 anos de obras, mas até aqui apenas sete. São 700 km de canais em concreto passando por terras desapropriadas, locais de difícil provimento de materiais, solos variáveis, etc. Há grandes estações de bombeamento, barragens, uma obra colossal.
Transposição não é uma simples barragem como Sobradinho. |
O combate político à transposição uniu governadores de alguns estados a plantadores de soja irrigada, coronéis da política da seca, ONGs, religiosos manipulados, que fizeram guerrilha no Ministério Público para barrar a obra. No circuito entraram o TCU e CGU investigando e encontrando superfaturamentos. Até no trecho tocado pelo Exército. Obras paradas, acertos burocráticos, novas licitações. Atualmente está tudo em obras e a previsão é de conclusão em 2015.
Coloca-se fotos de trechos onde houve ruptura de fundo de canal ou desbarrancamento para "provar" que a obra está mal feita. Isso acontece porque ainda não circula água. É como piscina vazia: acaba rachando porque suas paredes e fundo estão sujeitas às pressões do barranco. E obra hidráulica só tem um jeito de fazer correr água: quando fica pronta toda ela, por isso alguns trechos ainda terão problemas até a conclusão. Para acompanhar o andamento das obras e ver fotos do que está feito há o site http://www.integracao.gov.br/pt/web/guest/projeto-sao-francisco1
Não dá, portanto, para comparar obras feitas sob o tacão de uma ditadura onde não havia debates com a sociedade e outras feitas dentro de legislação rigorosa de acompanhamento de gastos com a sociedade se mobilizando contra. E 700 km não são 12,5km. Terminar uma obra dessas em 8 anos com tudo contra é um feito histórico. Vai ficar pronta, a água vai rolar e 12 milhões de pessoas mais alguns milhões de cabeças de gado em 390 municípios saciarão a sede. No mais, é livre a choradeira.
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