As redes sociais estão se mostrando poderosas. Seu potencial mobilizador é imenso, e atrai em especial os usuários mais jovens da internet, já que os mais velhos não têm tanta afinidade com as mídias ou tempo para ficar plugados o dia todo nas informações. Para onde vai essa ferramenta, quando usada para a disputa de poder?
Participei de um ato do #ForaSarney em Brasília, em julho de 2009, e este blog cobriu as mobilizações em vários artigos. Num deles, registrei que estranhava o tipo de manifestação:
"Na minha experiência de movimentos sociais nunca vi nada parecido. Em geral, os atos políticos têm uma ordem, um esquema conhecido. As palavras de ordem de hoje eram "Sarney, ladrão, político sem noção". Também faltaram coisas essenciais, como faixas dizendo o que a gente fazia ali."
De lá para cá muitas coisas aconteceram aqui e pelo mundo, através de mobilizações com ou sem redes sociais. Pelas vias tradicionais, entidades coletaram 1,5 milhões de assinaturas para levar ao Congresso a Lei da Ficha Limpa, que foi aprovada, sancionada mas não valeu para as eleições passadas. No Irã a oposição a Ahmadinejad e aos clérigos islâmicos foi em parte organizada pelas redes sociais, junto com as entidades organizadas da sociedade, criando um amplo movimento de mobilização que foi reprimido e desmantelado.
Obama deve parte dos seus votos aos jovens através de internet. A Primavera Árabe também teve a web como canal de organização. Agora, na Espanha, as redes estão presentes na organização da leva de mobilizações de protesto, e já articulam manifestaçõs nos vários países em crise econômica que não têm empregos nem perspectivas para os jovens, que chamo de Verão Europeu.
As redes sociais vieram para ficar e devem ser entendidas como força mobilizadora para qualquer direção. A princípio, os esforços para intervenção na política parecem apartidários, tipo "vote contra" ou "fora todos", sem bandeiras explícitas. Isso incomoda as estruturas do estado, aos partidos, às organizações da sociedade civil, que participam do jogo do poder.
Na Espanha, onde o caldo para crescimento de movimentos espontâneos é maior já que 45% dos jovens estão sem emprego, oscilando entre a imigração e a luta por oportunidades no próprio país, há embrionariamente a bandeira da "democracia direta", o maior temor do "status quo" político que governa o mundo desde as cavernas.
Uma expressão concreta de "democracia direta" foi a dos soviets de trabalhadores na Rússia pré-soviética. Mais próximo de nós, os núcleos do MST também têm seu funcionamento celular. O PT também tinha seus núcleos de base, que definiam políticas e as levavam pelas instâncias até o topo do partido. Eu escrevi TINHA, porque a burocracia da corrente majoritária acabou com isso.
Pelo que percebo, ainda não se chegou a qualquer forma de organização mais arrojada que os acampamentos em praças e marchas por qualquer coisa. Isso incomoda, mas é suportável pelos limites "democráticos" impostos pelas instituições do estado. Quando sai de controle, a repressão aparece e aí temos os episódios da Síria, Yêmen, etc. Logo poderemos ver isso na "democrática" Europa.
O ímpeto dos jovens pode não dar em nada, através de manifestações anárquicas, de protesto ou alienantes, que pululam como modismo mundo afora. Exemplo: Marcha das Vadias, que começou nos Estados Unidos, espalhou-se pelo mundo e já chegou ao Brasil, um protesto contra a visão machista sobre a maneira das mulheres se vestirem associada à atração de estupros. Apenas são demonstrações de descontentamento.
Pode ter uma finalidade, como a Marcha da Maconha, que devido à repressão em São Paulo virou Marcha pela Liberdade de Expressão. Há um claro objetivo de mudar a legislação e permitir a legalização da droga. É o tipo de movimento que se retroalimenta pela repressão. Quanto mais apanha, mais se fortalece. E em São Paulo, onde as instituições parecem mais reacionárias que no resto do país, a justiça proibiu até a Marcha da Liberdade de Expressão! É o poder do estado com receio de perder o controle sobre os movimentos sociais.
Movimentos espontâneos também podem ser capitalizados por interesses ocultos, mas que parecem contribuir para o sentido das manifestações. Entre os jovens que queriam derrubar o governo iraniano, mesmo que não soubessem, havia gente da CIA infiltrado em organizações que também queriam derrubar o governo. No Egito, toda a energia usada para derrubar Mubarak acabou perdida numa manobra das grandes potências para colocar os militares no poder como se fosse algo diferente.
Na Líbia, os jovens que queriam se livrar das restrições do regime de Kadhafi agora se vêem ao lado de forças da OTAN, de empresas de petróleo italianas e francesas e dos serviços secretos na sua luta. Mais ainda: o "governo rebelde", instalado em Benghazi, conta com políticos e militares que por toda a vida comeram à mesa de Kadhafi. Que revolução é essa?
Pelo Brasil afora começam a surgir movimentos "#ForaFulano". Claro que há a componente espontânea, ingênua, que simplesmente não quer ver mais a cara de alguém. Mas serve de combustível a jogadas políticas, a golpes, a grandes armações travestidas de avanços democráticos.
Agora há pouco tive ciência do movimento #ForaMicarla, contra a prefeita de Natal, onde há até ocupação da Câmara Municipal de militantes que pedem o seu impeachment, articulados por redes sociais. Procurei maiores informações do porque do impeachment, e não encontrei nada, nem no site do movimento. Na visão que sai na mídia ligada à prefeita, trata-se de um movimento pequeno-burguês articulado pela governadora do estado. Também há interesse do PT na derrubada a prefeita. Micarla é do PV, dona de meios de comunicação e apoiou Dilma no segundo turno, mas teve apoio de boa parte da a aristocracia potiguar para se eleger. A governadora Rosalba é do DEM, e se sente traída por Micarla. Aí cabe qualquer conclusão.
O movimento em Natal também serve a forças políticas de esquerda que buscam constituir uma nova via política, a exemplo do PSTU que agora tem como destaque a professora Amanda Gurgel, cujo discurso na Câmara sobre a educação, que nada mais foi que a síntese de todas as surradas críticas à falta de estrutura do setor. Graças às redes sociais, ganhou destaque pela grande quantidade de acessos ao vídeo com o seu pronunciamento, e até visibilidade no programa do Faustão, da Globo.
De modo geral, parece que toda louvável iniciativa de mobilização espontânea através de redes sociais pode ser presa fácil aos interesses de grupos organizados, sejam políticos, empresariais, estrangeiros, etc. Podem servir à esquerda ou à direita. Podem servir para organizar de bandos e gangues a movimentos de caridade ou reivindicações. Tudo que ali for criado será disputado e possivelmente aparelhado por interesses diversos . No ato do Fora Sarney que participei em Brasília já tinha um garotão de terno, que dizia ser de um partido, tentando faturar em cima do "poder jovem". Basta juntar um monte de gente, de batismo a enterro, que aparece alguém para fazer discurso e tentar levar para o seu lado a massa.
Do que temos aí até a democracia direta será um longo caminho, se acontecer, porque se alguém tirar as redes sociais da tomada toda a organização virtual será pulverizada. O estado reagirá, a princípio tentando cooptar os movimentos, propondo reformas de fachada que nada alterarão o "status quo". Na falta de controle, repressão.
Democracia direta significa o desmanche do estado que conhecemos. A proposta seduz, porque nas mentes que não consideram a complexidade do tecido social basta tirar alguém que tudo se resolverá. O caso espanhol é sintomático: o governo "socialista" vinha aplicando as maldades do FMI na economia, prejudicando os jovens. Estes se mobilizaram e pediram o voto contra o governo. Acabaram elegendo a direita, que fará a mesma coisa, só que sem dever nada a ninguém, sem culpas, porque o plano em execução é a cara deles.
Portugal parece ter ido no mesmo rumo, mas não houve uma mobilização como a espanhola. Na Grécia, onde a organização sindical e popular é mais ideológica, servindo de referencial de luta à juventude, as manifestações recebem o apoio de jovens e são gigantescas, obrigando o governo e a Comunidade Européia a adotar soluções para amenizar a crise sem mais sacrifícios aos trabalhadores.
Democracia direta tem a cara das redes sociais e da internet, mas não é auto-aplicativa. Um longo processo de transformações, radicais ou não, precisará acontecer nas sociedades até que o poder de decisão passe à população, de forma real e direta. Não se trata de fazer plebiscitos a cada momento, como nos sites e blogs, sobre temas que as elites do poder escolherão, mantendo íntegro o sistema e dando a sensação de participação em temas menores.
Não é só unir as pessoas para derrubar este ou aquele governante, político ou adversário, mas tornar as redes um ambiente de ampla discussão política para que novos mecanismos de participação, coerentes com uma nova visão de sociedade, possam ser construídos. Disso derivará se teremos, no futuro, parlamentares, governantes, juízes, ou se teremos como lema "todo poder aos computadores".
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