De tudo que vi e ouvi até aqui sobre a fraude num parecer do Ministério das Cidades, com denúncia patrocinada pelo jornal Estado de São Paulo e repercutida pela mídia interessada em desestabilizar o governo, parece-me que houve um grande conflito entre a análise do corpo técnico e a vontade política dos gestores do ministério. Isso é tão corriqueiro, que uma diretora do Ministério achou bem normal falar que o parecer do técnico tinha erros de linguagem e traduzia sua vontade pessoal, contrária à do governo. E que sua alteração seria algo pacífico, para se ajustar às ordens de cima.
Um parecer técnico deve ter um objetivo claro. No caso, o técnico deve ter sido chamado a emitir opinião, com base em elementos científicos, sobre opções de modais de transportes, ou seja, VLT (veículo leve por trilhos) e BRT (via rápida de ônibus). Parece evidente que se a análise for comparativa com base em custos, nem precisaria do parecer, pois o VLT implica em equipamentos bem mais caros e sofisticados que o BRT. É aí que o Estadão se baseia: a obra do VLT ficaria R$ 700 milhões mais cara. Verdade. São coisas bem distintas.
Quando a análise solicitada é sobre relação custo x benefício de longo prazo, pode ser que o VLT seja a melhor opção, mesmo com o maior preço. Os equipamentos têm vida útil muito maior que os do BRT, pois são trens de superfície. Considerado o tráfego projetado, o custo de implantação, a tarifa estimada e a manutenção, é possível que a solução por VLT se justifique, mesmo a preços maiores que os do ônibus expresso. Essa é uma questão a ser analisada pelos gestores dos recursos.
Em geral, no Brasil, as soluções de menor custo são as que vencem. Aí está a nossa gigantesca malha rodoviária servindo ao transporte de praticamente todas as cargas, um modelo mais barato de fazer pelo menor custo da estrada asfaltada relativo ao do trem ou do transporte marítimo, porém de elevado custo operacional.
O mundo corporativo esconde disputas terríveis entre analistas e gestores. O técnico pega o assunto, faz o parecer de acordo com os objetivos, técnicas usuais de análise, e dá o seu parecer. Encaminha-o ao superior, nem sempre um técnico, com coisas do tipo "esse é o parecer, salvo melhor juízo superior". Ou seja, isso é o que o técnico pensa, se alguém quiser alterar, terá que ser outro técnico naquilo que é técnico. É aí que o problema acontece: feito o parecer, é praticamente impossível mudá-lo, a não ser que o autor concorde em fazê-lo, seja por convencimento ou por pressão.
O profissional não tem poderes para nada, já que não decide. Se um engenheiro diz que um prédio ameaça cair com base em elementos técnicos, recomendando ações para evitar desabamento, é praticamente impossível que um gestor, sem conhecimento técnico, tome uma decisão contrária ao que o especialista disse. O problema para o gestor é que ele se vê sem alternativa.
O que se verifica, na prática, é a pressão do gestor sobre o técnico para que altere seu parecer, orientando-o para as soluções políticas que dispõe. Vai que nenhuma providência é tomada e o prédio cai? O primeiro a ser arrolado nas responsabilidades é o técnico, que se for experiente terá uma cópia do seu parecer bem guardada, com alguma rubrica de um superior dando-lhe ciência. Mesmo assim, será responsabilizado até o fim do processo, já que os gestores contam com a estrutura da corporação para, se for o caso, criar e destruir documentos, e desmoralizar o técnico.
No caso do Ministério das Cidades, o que aconteceu? Pelos dados mostrados pela imprensa, um técnico fez um parecer favorável ao BRT. O governo de Mato Grosso, por suas razões, resolveu impor a solução do VLT, e conseguiu recursos para o propósito, junto a financiamentos para obras da Copa, mesmo que a obra não fique pronta no prazo. O Ministério, que é dirigido por políticos, deve ter dado a ordem para alterar todo o processo, favorecendo ao VLT, o que não aconteceu pela resistência do técnico.
Até a CGU foi contra, considerados prazos para desenvolvimento de projetos, etc. Diante do impasse, foi feito um parecer de mesmo número e colocado no processo. O técnico recusou-se a assinar.
Ao contrário de outras áreas de conhecimento, onde um profissional pode estar de um lado ou de outro do interesse, nas áreas de engenharia e de projetos econômicos isso não funciona assim. Existem um só lado. Não importa quem seja o técnico, dependendo da objetividade dos fatos e dados, só haverá uma opinião, um parecer, que poderá ser contestado por outro técnico que use ferramentas mais precisas de análise ou incorpore mais dados.
Acostumados ao "manda quem pode, obedece quem tem juízo", os burocratas do Ministério das Cidades fizeram toda essa besteira achando que seria mais um desses fatos de lutas internas ao governo, sem repercussão. Acontece que a coisa vazou, e todo mundo foi flagrado. A ANEINFRA - Associação Nacional dos Analistas e Especialistas em Infra-Estrutura, publicou nota de solidariedade ao técnico autor do parecer e críticas aos seus superiores hierárquicos:
..."O fato publicado reitera a necessidade de reforçar não só os quadros operacionais dos ministérios com técnicos qualificados, mas também os quadros gerenciais. O técnico citado nas reportagens é Analista de Infraestrutura ingresso por concurso público em 2008 e sua postura reflete o posicionamento da carreira quanto à necessidade de avaliação minuciosa dos projetos, especialmente os de grande envergadura"...
Um parecer técnico deve ter um objetivo claro. No caso, o técnico deve ter sido chamado a emitir opinião, com base em elementos científicos, sobre opções de modais de transportes, ou seja, VLT (veículo leve por trilhos) e BRT (via rápida de ônibus). Parece evidente que se a análise for comparativa com base em custos, nem precisaria do parecer, pois o VLT implica em equipamentos bem mais caros e sofisticados que o BRT. É aí que o Estadão se baseia: a obra do VLT ficaria R$ 700 milhões mais cara. Verdade. São coisas bem distintas.
Quando a análise solicitada é sobre relação custo x benefício de longo prazo, pode ser que o VLT seja a melhor opção, mesmo com o maior preço. Os equipamentos têm vida útil muito maior que os do BRT, pois são trens de superfície. Considerado o tráfego projetado, o custo de implantação, a tarifa estimada e a manutenção, é possível que a solução por VLT se justifique, mesmo a preços maiores que os do ônibus expresso. Essa é uma questão a ser analisada pelos gestores dos recursos.
Em geral, no Brasil, as soluções de menor custo são as que vencem. Aí está a nossa gigantesca malha rodoviária servindo ao transporte de praticamente todas as cargas, um modelo mais barato de fazer pelo menor custo da estrada asfaltada relativo ao do trem ou do transporte marítimo, porém de elevado custo operacional.
O mundo corporativo esconde disputas terríveis entre analistas e gestores. O técnico pega o assunto, faz o parecer de acordo com os objetivos, técnicas usuais de análise, e dá o seu parecer. Encaminha-o ao superior, nem sempre um técnico, com coisas do tipo "esse é o parecer, salvo melhor juízo superior". Ou seja, isso é o que o técnico pensa, se alguém quiser alterar, terá que ser outro técnico naquilo que é técnico. É aí que o problema acontece: feito o parecer, é praticamente impossível mudá-lo, a não ser que o autor concorde em fazê-lo, seja por convencimento ou por pressão.
O profissional não tem poderes para nada, já que não decide. Se um engenheiro diz que um prédio ameaça cair com base em elementos técnicos, recomendando ações para evitar desabamento, é praticamente impossível que um gestor, sem conhecimento técnico, tome uma decisão contrária ao que o especialista disse. O problema para o gestor é que ele se vê sem alternativa.
O que se verifica, na prática, é a pressão do gestor sobre o técnico para que altere seu parecer, orientando-o para as soluções políticas que dispõe. Vai que nenhuma providência é tomada e o prédio cai? O primeiro a ser arrolado nas responsabilidades é o técnico, que se for experiente terá uma cópia do seu parecer bem guardada, com alguma rubrica de um superior dando-lhe ciência. Mesmo assim, será responsabilizado até o fim do processo, já que os gestores contam com a estrutura da corporação para, se for o caso, criar e destruir documentos, e desmoralizar o técnico.
No caso do Ministério das Cidades, o que aconteceu? Pelos dados mostrados pela imprensa, um técnico fez um parecer favorável ao BRT. O governo de Mato Grosso, por suas razões, resolveu impor a solução do VLT, e conseguiu recursos para o propósito, junto a financiamentos para obras da Copa, mesmo que a obra não fique pronta no prazo. O Ministério, que é dirigido por políticos, deve ter dado a ordem para alterar todo o processo, favorecendo ao VLT, o que não aconteceu pela resistência do técnico.
Até a CGU foi contra, considerados prazos para desenvolvimento de projetos, etc. Diante do impasse, foi feito um parecer de mesmo número e colocado no processo. O técnico recusou-se a assinar.
Ao contrário de outras áreas de conhecimento, onde um profissional pode estar de um lado ou de outro do interesse, nas áreas de engenharia e de projetos econômicos isso não funciona assim. Existem um só lado. Não importa quem seja o técnico, dependendo da objetividade dos fatos e dados, só haverá uma opinião, um parecer, que poderá ser contestado por outro técnico que use ferramentas mais precisas de análise ou incorpore mais dados.
Acostumados ao "manda quem pode, obedece quem tem juízo", os burocratas do Ministério das Cidades fizeram toda essa besteira achando que seria mais um desses fatos de lutas internas ao governo, sem repercussão. Acontece que a coisa vazou, e todo mundo foi flagrado. A ANEINFRA - Associação Nacional dos Analistas e Especialistas em Infra-Estrutura, publicou nota de solidariedade ao técnico autor do parecer e críticas aos seus superiores hierárquicos:
..."O fato publicado reitera a necessidade de reforçar não só os quadros operacionais dos ministérios com técnicos qualificados, mas também os quadros gerenciais. O técnico citado nas reportagens é Analista de Infraestrutura ingresso por concurso público em 2008 e sua postura reflete o posicionamento da carreira quanto à necessidade de avaliação minuciosa dos projetos, especialmente os de grande envergadura"...
É por essas e outras que as áreas técnicas de governo foram sucateadas por muitos anos. Sem análise técnica, os projetos de grande envergadura passam apenas pelas mãos de burocratas, diretamente articulados com os políticos que comandam os lotes do governo. E também é por isso que os técnicos da área estatal são tão odiados pelos superiores, que retaliam com baixos salários, ameaças de demissão, redução e extinção de quadros, terceirização, etc.
E assim caminha a humanidade......
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