Quando começou o governo Lula, correu nos movimentos sindical e social a idéia da "trégua tática", ou seja, de dar ao novo governo um tempo para se estabelecer, e para não alimentar, com a confrontação, o discurso das forças derrotadas, que falavam na anarquia que viria com greves, já que o PT, no entendimento deles, só fazia isso. E o dólar estava a R$ 4, com ameaça de fuga de capitais, etc. Na militância havia a paranóia com o golpismo da direita que alimentou a tese de "deixar o homem trabalhar".
Na campanha salarial dos bancários de 2003, a primeira pós-Lula, os sindicatos ligados à CUT arrefeceram a luta pelas perdas salariais do período FHC, evitando greves, e aceitando reajuste inferior à inflação do ano anterior. Na campanha de 2004, o Congresso dos Funcionários do Banco do Brasil realizado em São Paulo, por orientação dos grupos ligados ao Planalto, enterrou-se, no voto, a reivindicação por perdas salariais anteriores, também no sentido da trégua, e a greve de 30 dias teve primores de traição com nítido acerto entre dirigentes sindicais e as direções dos bancos públicos, ocupadas por alguns petistas. Já não era mais trégua: era pacto social comprado com concessões fisiológicas.
Nos anos seguintes, a traição continuou, mas aqui e ali se criticava o governo. Isso aconteceu em todas as categorias, e Lula reinou tranquilo até o fim do seu mandato. Esse controle social e a idéia de "trégua" já faz parte do início do governo Dilma. A CUT, apesar de se colocar com o conjunto de centrais sindicais que pedia o mísero salário mínimo de R$ 560, nada fez após a derrota da proposta para os R$ 545 impostos pelo governo. Não se fala mais nisso.
Dilma está fazendo de tudo para usar sua popularidade e mesmo credibilidade junto à mídia para buscar o equilíbrio fiscal, bandeira histórica dos neoliberais e da direita, e tentar, civilizadamente, baixar a taxa de juros e reduzir gradativamente as fortunas que são pagas anualmente a bancos, especuladores, etc, na forma de financiamento das dívidas. Para isso já anunciou cortes orçamentários que já chegam à cifra de R$ 80 bi, e serão detalhados na próxima quarta, coincidentemente dia da reunião do COPOM que definirá a nova taxa de juros.
Esses cortes, que segundo o governo não atingirão o PAC, os programas habitacionais, os programas de transferência de renda e as grandes obras dos eventos esportivos, deverão freiar os avanços do governo Lula em áreas como a educação e saúde, muito carentes de recursos, além de compras para as forças armadas e emendas parlamentares. A mídia quer mais: reforma da previdência, redução de impostos, redução dos programas sociais, etc.
Logo surgirão descontentamentos nos setores atingidos, que não encontrarão no PT nem nos movimentos sociais dirigidos pelo partido o suporte para a canalização em lutas de peso. A crítica ficará para a mídia da direita e para os pequenos grupos de esquerda sem base social, e a caravana das reformas do capital continuará passando indiferente aos latidos dos cães.
Será que vale a pena apostar no superávit nominal para redução das taxas de juros que parece ser a estratégia, através do corte orçamentário ? Antes que se fale nos resultados, a classe trabalhadora já está pagando o preço : reposição de inflação no salário mínimo sem ganho real, tabela do imposto de renda ajustada apenas pela inflação, ou seja, apenas o básico para congelar os resultados do fim do governo Lula. Os servidores públicos também deverão encontrar dificuldades para reajustes, bem como nas estatais, economia mista, etc, que serão chamadas a dar imensos lucros para reforço do superávit pretendido.
A herança bendita de Lula continuará mostrando indicadores positivos por pelo menos dois anos. Na próxima quarta será divulgado o PIB de 2010, com algo em torno de 7,5%, o que é excelente, e dá à economia inércia para manter o crescimento sustentável até a metade do governo Dilma. O nível de emprego também continuará bem, e o poder de compra dos salários deve ser mantido. A oposição de direita perdará poder de fogo com o desmonte do DEMo e do PSDB, fazendo crescer a base de apoio ao governo. Num cenário favorável como esse, Dilma teria dois anos para fazer as maldades, e dois para distribuir as benesses na estratégia da reeleição em 2014.
Com o grande aumento das receitas que vem se verificando com a economia em crescimento desacelerado e a freiada drástica nas despesas, a equipe econômica do governo pode arriscar essa cartada e até conseguir reduzir os juros que tiram do estado a capacidade de gasto. Reduziria o acesso do capital especulativo internacional, desvalorizando o Real e reequilibrando as contas externas. O efeito também seria benéfico para o crédito de longo prazo e para o consumo. Investimentos em políticas sociais poderiam ser incrementados. Por todas essas vantagens, a classe trabalhadora deveria dar aval a Dilma?
Se o PT ainda fosse o de antigamente, estaria, no mínimo, exigindo uma auditoria nas dívidas responsáveis pela montanha obscena de juros e a renegociação soberana como alternativa a tirar dinheiro dos investimentos necessários ao país e aos trabalhadores em especial. Algo como o Equador e a Argentina fizeram, baixando muito o montante devido e permitindo à economia recuperar sua capacidade de investimento, sem sangrar os contribuintes com mais impostos. O partido virou mero espectador do governo, desde Lula, fazendo das instituições de classe meras correias de transmissão das políticas do Planalto.
O momento de cobrar as políticas sociais seria agora, no início do novo governo, até para estabelecimento de uma nova correlação de forças que não deixe as massas a reboque das concessões do estado. No mundo inteiro os povos estão nas ruas contra as desigualdades estruturais do capital, mas parece que no Brasil superamos, com esse tipo de pacto social implícito, a histórica luta de classes. Sem mobilização, especialmente num momento propício à redução soberana das dívidas públicas, assistiremos à aplicação do velho receituário que sacrifica o povo.
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