segunda-feira, 3 de novembro de 2014

O mundo está queimando reservas sociais

Tenho viajado bastante e observado como as pessoas vivem em quase 50 países. Noto que há um padrão de decadência mais visível nos países da área de influência da antiga União Soviética que agora começa a ser notado em outros na Europa, em especial na Zona do Euro exceto Alemanha. Na Escandinávia e Grã-Bretanha não chegamos a ver isso facilmente.

Minha conclusão, grosso modo é que o mundo ocidental está queimando ativos sociais, ou seja, é como se uma poupança feita por décadas estivesse sendo queimada agora e sem chances de ser reposta. Logo alguns IDH irão cair e a decadência criará conflitos. Pouco importa que o PIB cresça, as condições sociais não estão melhorando. O gráfico abaixo, extraído do Tijolaço, ilustra esse fenômeno.

Junto com a pobreza está chegando o corte de benefícios sociais com o sucateamento de escolas, hospitais, equipamentos públicos, etc. Você vê que falta dinheiro para manutenção das coisas e que estão sendo feito cortes que pioram a qualidade dos serviços por anos e anos. O que era, por exemplo, um bom equipamento médico numa época, hoje é uma sucata porque não foi substituído. Uma boa escola de ontem agora tem goteiras, móveis em estado ruim de conservação e menos professores. E os que continuam têm piores salários. Os empregos caíram de qualidade e os salários perderam poder aquisitivo, fazendo com que as casas boas do passado fiquem visivelmente deterioradas e cheias de remendos.

Essa poupança foi feita por décadas de políticas de bem-estar social, especialmente no pós-guerra. No bloco soviético a economia planificada conseguiu resultados muito mais visíveis em curto prazo que nas economias socialistas. Agora, com a volta ao mercado, a decadência é mais rápida pois os países não têm condição de sustentar tais avanços com a produção anárquica voltada ao lucro e concentração das poucas riquezas nas mãos de um punhado de ricos da nova elite.

O que me parece acontecer é o descolamento entre a variação do PIB e a melhora ou manutenção do desenvolvimento social. Fala-se muito que o PIB no Brasil não cresce, mas está melhor que em outros países. Esse indicador, felizmente no Brasil, parece não refletir os avanços sociais dos últimos 12 anos. Nos demais países seu crescimento não significa mais melhora nas condições de vida, mas do capital.

No Brasil estamos na contra-mão disso. Nunca tivemos reservas sociais e agora começamos a construi-las, com ou sem PIB espetacular. A saída de 40 milhões de pessoas da pobreza, as novas universidades, escolas técnicas e o PRONATEC, os avanços (mesmo poucos) na saúde pública, o fim da fome crônica, tudo isso eleva o IDH e cria novos patamares de qualidade de vida. Isso explica o voto em Dilma pelos beneficiários de toda essa conquista e pelos que consideram que a inclusão do amplo contingente social é um sintoma de desenvolvimento e também votaram para ter um país socialmente melhor para todos.

Mesmo que a crise nos atinja com maior vigor o eleitor de Dilma sabe que ela fará de tudo para manter esse novo ativo mexendo em outras variáveis da economia, ganhando tempo para beneficiar o máximo de pessoas ao máximo. Assim como sabia que no caso do PSDB ou Marina vencerem a primeira coisa a ser descartada seria o ativo social duramente conquistado. Eles privilegiariam a saúde e o desenvolvimento do capital e dos mais ricos. Suas medidas seriam cortes nos programas sociais (embora negassem e fizessem demagogia com melhoras neles), redução dos custos de produção das empresas capitalistas (perda de direitos trabalhistas e redução do poder aquisitivo dos salários), facilidades e benesses ao capital, juros altos, etc.

Enquanto na Europa a perda da qualidade de vida da maioria cria descrença na política e fertiliza o campo para o fascismo e a demagogia, por aqui os revoltados são de uma elite que se acostumou a ter para si com exclusividade o melhor dos ativos sociais e agora se recusa a vê-los estendidos aos demais, mesmo que não esteja perdendo nada com isso. Não aceita que outros tenham oportunidades e ameacem seu mundo de privilégios através da meritocracia que alegam ser a chave do sucesso. Ficam assustados, por exemplo, com a maioria dos novos alunos aprovados para o ITA ser de origem cearense. Eles são o novo fascismo, por motivos outros.


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