terça-feira, 16 de agosto de 2016

Olimpíada 2016 : O despertar dos "silvas"?

"Silva" é o sobrenome mais comum no Brasil. Foi dado a milhares de escravos ao longo de séculos e usado pejorativamente pelas elites para caracterizar o povão, a massa, a pobreza. A escrava alforriada Chica da Silva atraiu para si o ódio da elite branca por ter ascendido socialmente no Brasil colonial. Lula da Silva também. Não por ser Silva, mas por ser um pobre fadado à exclusão que venceu na vida e criou oportunidades para a ascensão de outros tantos "Silvas". Isso foi demais para a nossa elite 

Camisa do jovem Bernardo que trocou Neymar por Marta
considerando que ela mostrou fez o que a torcida esperava.
A desconstrução de Lula da Silva há mais de 30 anos contemplada pelas mais de 40 capas da Veja tem a ver com esse preconceito ancestral. Seu destino estava traçado desde o berço: ser um ninguém, mais um nordestino pobre que nasceria e morreria analfabeto pelas doenças da miséria e da seca. Eis que superou tudo  e se tornou um exemplo para tantos outros "Silvas", que fizeram uso das oportunidades, cresceram socialmente e hoje ameaçam os segmentos mais vulneráveis da classe média tradicionalmente escravagista: os "coxinhas". 

Ao Lula da Silva couberam as pechas que os "do andar de cima" atribuem aos "sem pedigree": vagabundo, ladrão, cachaceiro, oportunista, mentiroso, bandido. Toda sorte de preconceitos também foi lançada sobre outra "Silva", a Marina, que ascendeu na defesa do meio-ambiente contra os interesses dos poderosos herdeiros do saque de tempos coloniais do pau-brasil. 

Desde a eleição de Lula a elite secular tenta devolver "os silvas" ao "seu lugar": a ponta do chicote, o tronco, a senzala. Farsas como o Mensalão e agora a Lava Jato amplificadas pelas mídias metralharam Lula e todos os que se colocaram como destoantes da imperial minoria plutocrata. E incutiram nas massas populares a pior auto-estima de todos os tempos. No massacre ideológico nada do Brasil presta, o povo não presta, nossos símbolos não prestam, somos os párias do mundo. A Copa e a Olimpíada tinham que ser monumentos ao fracasso. A Petrobrás tinha que ser a escória, o ninho de ratos para ser desmantelada. O Brasil tinha que voltar a ser quintal dos EUA, o povo eleito do deus do mercado. 
Particularmente suspeito de um movimento manipulatório que nos fez de cobaias da disputa geopolítica mundial. O estímulo fascista ao ódio vem de longe, do Mensalão, passando pela campanha do Serra em 2010, pelos movimentos de 2013 "contra a corrupção e pelo meu Brasil" que levou a classe média às ruas "sem partido"  que descambaram para as demonstrações coxinhas e sumiram após a queda de Dilma e o massacre de Lula. O povão ficou dominado como nos tempos da escravidão, porém sem os açoites: internalizaram o sentimento de vira-latas e as pessoas se excluiram do seu direito de lutar pelos seus interesses. Como se explica o massacre que já começou em 3 meses do golpe e promete ser pior depois da queda definitiva de Dilma sem reação? Não é a repressão explícita que mantém o brasileiro inerte, hipnotizado, mas todo esse trabalho de abdução de suas mentes e forças. 

Eis que chegamos à Olimpíada, ainda sob efeitos do suspeitíssimo 7 x 1 que tomamos da Alemanha em 2014. Naquele momento o Brasil deveria ser humilhado naquilo que era mais sagrado, seu futebol pentacampeão, o último bastião do orgulho nacional. Em seguida as camisas verde-amarelas da CBF passaram a ser símbolo do movimento dos ricos contra os avanços sociais e pelo golpe. Assim como os militares tornaram quase exclusivos os símbolos nacionais na ditadura, agora a elite tomou para si o auriverde pendão em contraposição ao "vermelho na bandeira" atribuído a Lula da Silva. 

Todo o cenário se repetiu. Vergonha das nossas tomadas, de design mais avançado no mundo, porque os gringos teriam que comprar adaptadores. Vergonha dos australianos que encontraram os apartamentos da Vila Olímpica suja. Vergonha dos preços cobrados pela ganância de uns poucos explorando os gringos (mas quando nos exploram ninguém reclama). Vergonha de um evento trazido por Lula para um país de terceiro mundo, como no caso do "padrão Fifa" da Copa. Enfim, toda a viralatice aflorou num derradeiro esforço de "merdificar" o brasileiro para que não levante a cabeça diante da dominação em curso. 

Eis que nossa seleção masculina de futebol, capitaneada pelo talentoso Neymar, fez um papelão que indignou os brasileiros. A equipe mostrou tudo de vicioso que as pessoas repudiam: falta de garra, falta de amor à camisa, apego às benesses do dinheiro, pouco caso com a defesa da "pátria de chuteiras". Eis que outra Silva, a Marta, mostrou exatamente o contrário num time que não tem os mesmos recursos ou reconhecimento, mas que momentaneamente elevou o gênero feminino acima do masculino capitaneando um time de força, garra, coragem, superação. Marta era o Silva pobre que mostrou a força do povo! Neymar foi execrado como um Silva que ascendeu e passou para o lado da elite plutocrática que  o tolera apenas porque tem dinheiro, 

Rafaela Silva, nosso primeiro ouro olímpico no judô.
Oriunda da Cidade de Deus, superou tudo para vencer.
Depois de Marta vieram Rafaela, Rafael, Mayra e Thiago, todos Silvas como a imensa maioria, mostrando valor em condições adversas. Os aplausos e a euforia que hoje vemos com a vitória de Thiago são a válvula de escape dessa auto-repressão. Quem está salvando a pátria mais uma vez são os representantes do povo que tiveram todo o apoio do governo dos Silvas. É uma contradição profunda esse amor repentino ao povo que alguns odeiam. E um promissora identificação do brasileiro povão com os seus iguais. A viralatice começa a rachar e daí tudo pode mudar. 

Thiago Brás da Silva, campeão olímpico que mostrou
ousadia e superação com um novo recorde
A reação ao francês do salto com vara que teve a audácia de se comparar ao campeão olímpico Jesse Owens é sintoma de retomada do orgulho. A torcida o vaiou no momento de concentração, mesmo com o sistema de som pedindo silêncio, mas se fracassou por falta de preparo psicológico o que se dirá de um garoto de 22 anos, um Silva, que era o Brasil com uma lança na mão mandando subir o bastão para uma altura maior que a do recorde do gringo e superando-a? Thiago Brás Silva venceu em tudo. Ele é o nosso Jesse Owens, aquele que na Olimpíada de Berlim em 1936 afrontou os nazistas alemãs em sua festa pomposa enquanto negro que derrotou a ideologia da "raça superior" ariana perante o mundo. 

O pós-Olimpíada promete muita repressão, aprofundando
o ataque às liberdades democráticas. 
Se o brasileiro voltar a gostar do seu país a partir dos resultados olímpicos a plutocracia correrá o risco de ser surpreendida por um levante popular ao roubar direitos como prometem após a consolidação de Temer. Se essa massa despertar da letargia zumbi a que foi levada e perceber que tem força para exigir um país melhor teremos uma imensa crise na consolidação de um novo regime ditatorial da minoria rica contra a imensa maioria dos "silvas". Em 1945 houve esse "cair de ficha" quando nossas tropas de pracinhas venceram o fascismo em solo europeu e tínhamos o fascismo no governo Vargas, derrubado em seguida. 

Isso não estava no script. Nem críticas ao Biscoito Globo dos cariocas passam sem resposta. Por que então não defender o pré-sal, a Petrobrás e o patrimônio do povo do saque por essa quadrilha que se apossou do poder e fez todo mundo crer que ladrões são os golpeados?  Por que não acordar do pesadelo que a elite e os gringos do capital estão criando? Já sumiram com o sobrenome Silva do Thiago. O que farão para conter a euforia do povão com os seus "Silvas"? Tudo é possível...