quinta-feira, 24 de março de 2011

Libia : Pântano no deserto

Tiraram os aviões de Kadafi do ar, mas não conseguiram conter a ofensiva do governo em Misrata, única cidade que estava em poder dos rebeldes na região oeste da Líbia. Mesmo sob agressão internacional, o governo controla praticamente todo o território, exceto o extremo leste, onde está o último grande bastião rebelde, Benghazi, com cerca de 500 mil habitantes.


O que fazer diante dessa realidade? Destruir toda a Líbia com ataques aéreos, até matar o último seguidor de Kadafi e junto com eles, os civis a quem se comprometeram defender através da resolução da ONU? Cada vez fica mais explícito que não há intenções humanitárias na intervenção das superpotências, agora orquestradas pela OTAN: o que se busca é virar o jogo aos 49 do segundo tempo, apoiando um time que começou ganhando, e agora está cansado, desmotivado, machucado e desfalcado para que vença de qualquer jeito.

Uma "iraquização" da Líbia não é desejada por vários países, porque é no vácuo de poder que podem emergir correntes fundamentalistas que dificultem os objetivos estratégicos dos ocidentais: petróleo e gás a preços baratos em fluxo contínuo e confiável. A população líbia é mera figurante nisso, e a mentira da propaganda anti-Kadafi está cada vez mais insustentável. Até dizer que ninguém está morrendo nos ataques aéreos não resiste às imagens dos necrotérios de Tripoli.

E agora, o que farão, se não acreditam na capacidade dos rebeldes ganharem ou mesmo dirigirem a Líbia pós-Kadafi segundo seus interesses? Vão botar tropas das potências por lá? Vão gastar US$ 1 milhão por míssil lançado, mais US$ 10 mil por hora voada de jato militar, em meio à crise econômica que sacrifica os salários e direitos dos trabalhadores dos países capitalistas centrais? Vão botar os filhos dos mesmos trabalhadores para morrerem com a boca cheia de areia para garantirem o combustível das Ferraris e BMWs? Estarão preparados para aguentar o aumento das tensões em seus próprios territórios?

Uma coalizão dividida, concorrendo internamente pela primazia na exploração do espólio da Líbia, e uma oposição dividida que não consegue unidade para obter confiança das potências para conseguirem armas e suprimentos para continuar a guerra dão a noção do pântano que pode surgir em meio ao deserto líbio. A crise árabe pode chegar à França e Itália tanto pela insatisfação da população como por atos terroristas que serão atribuídos à imensa massa de refugiados árabes que estão em suas cidades. É por essas e outras que Obama passou a bola à OTAN e, depois que um jato americano foi derrubado por lá, certamente vai ficar olhando de longe. E vendendo armas para todo mundo.

A propósito: hoje, mais uma vez, o governo de Israel (poderíamos dizer, como a mídia, "as forças fiéis a Netanyahu") atacou com aviões as populações civis da faixa de Gaza (poderíamos falar em massacre covarde) por causa dos ataques dos rebeldes com mísseis contra a opressão do governo, que há mais de 50 anos escraviza os palestinos e rouba suas terras. Não caberia uma intervenção da ONU para fazer uma zona de exclusão aérea por lá também, para salvar as vidas dos civis palestinos, ou rebelde bom é o rebelde líbio? Por que Obama não diz para Netanyahu deixar o poder, como diz para Kadafi? Hipocrisia imperialista é isso aí!

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