domingo, 6 de outubro de 2013

Crença superestimada nas redes abortou partido de Marina

Sem entrar nas questões políticas que estão estampadas nas mídias sobre a negação do registro ao Partido Rede, queria abordar aspectos organizativos que podem ter resultado no fracasso da operação e que podem comprometer o seu conceito inovador.

Pude ver na entrevista de Marina Silva ao Roda Viva há uns 3 meses que, acima das questões ideológicas, o partido foi projetado para ser extremamente descentralizado, uma espécie de fórum para onde convergiriam grupamentos ou pessoas com idéias para troca e formação de "joint-ventures"  para finalidades políticas. Mais ou menos como funcionam as redes de ONGs. Além disso o partido teria como ambiente a internet e as redes sociais, apontando como uma novidade afinada com a geração do século XXI.

O que muita gente não entende (inclusive eu) é como um ex-vereador de Planaltina de Goiás conseguiu em menos de 3 anos as assinaturas para a legalização do recém-criado PROS e todo o aparato montado em torno de Marina Silva, composto de bons quadros políticos, grandes cabeças do mundo das ONGS, ambientalistas, empresários e patrocinadores "deram mole", com disse no seu desabafo com a "forma caótica de decisão" o deputado Sirkis após o fracasso do registro.

Se Marina Silva teve 20 milhões de votos em 2009 seria razoável acreditar que 500 mil assinaturas fosse tarefa fácil. Conheço gente de outros partidos e mesmo eu assinaria o pedido de formação desse partido como solidariedade a vários valorosos companheiros que participam desse embrião, como fiz na criação do PSOL. Ninguém me pediu assinatura. E é aí que está a ponta do iceberg.

O problema não foi o tal "cartório do ABC paulista que rejeitou assinaturas". Pode estar na crença de uma eficiência organizativa que comprometeu o planejamento de registrar o partido em menos  de um ano. Como disse o Sirkis, mesmo achando que o governo trabalharia contra a criação desse partido, embora Dilma não controle cartórios nem a justiça eleitoral.

Há uma crença sobre o uso das redes compostas de células autônomas na mobilização por objetivos que merece estudo, porque há casos e casos de sucessos e fracassos. A construção de um consenso de baixo para cima demora muito, pela multifacetação de idéias e interesses envolvidos, muitos deles conflitantes de célula para célula. Mesmo quando se forma o consenso, no caso a ação "registrar o partido", que seria de interesse de todos, sucumbe à intenção de estabelecimento de metas, à falta de prática no contato com pessoas do mundo real para pedir nome, título e assinatura, de vender o partido no papo direto, etc. Se fosse uma "petição on line" ou se fizesse um cadastro preenchendo formulário virtual a ação poderia dar certo. A burocracia cartorial é tão culpada pelo fracasso como o zagueiro do time adversário que impede os gols do atacante.

As redes de ONGS estão aí antes das redes sociais da Web. Cada ONG tem orçamento limitado, associado a um projeto específico e superespecialização. São vinculadas por projetos aos seus patrocinadores, e sua ação política vai até o limite da finalidade específica. Não têm como deslocar seus quadros para o trabalho partidário, até porque a identificação com um partido pode ser fatal num mercado coalhado de Organizações Neo-Governamentais.

Os movimentos sociais mais politizados tentam organizar manifestações, greves e passeatas através da WEB acumulando mais fracassos que vitórias. Quantos chamados tipo "um milhão nas ruas por isso ou contra aquilo" a gente recebe nos nossos e-mails e nas redes sociais por semana? Depois vem o fracasso retumbante. O milhão pariu menos de 100 pessoas.

O Movimento Passe Livre juntava algumas centenas de pessoas para lutar contra o aumento dos ônibus, até que a mídia via a oportunidade golpista e promoveu o #vamos prá rua, levando milhões de pessoas ao "tsunami cívico". Acabou quando Dilma foi à TV e disse que proporia uma constituinte para rediscutir todo o sistema político. No dia seguinte, em editorial, a Globo se retirou da promoção, temendo os desdobramentos da constituinte. Em seguida as manifestações se esvaziaram, quando deveriam ter agarrado a proposta de passar a limpo todo o sistema. Não tinha consistência. Eram pessoas unidas pelo consenso contrário à corrupção na política, mas sem organicidade para dar sequência a uma solução.

Como não existe vácuo de poder, alguém decide. Todo o arcabouço montado para estimular a democracia direta cede à necessidade de ação imediata, coordenada, planejada, focada em resultados e prazos. Se alguém ao longo da rede tenta assumir esse papel acaba se queimando como autoritário, pois não cabem hierarquias, salvo de forma consensual. Sem o consenso há a indiferença. Com o consenso há a limitação por falta de uma linguagem comum a todos. A rede vira uma organização feudal, cheia de castelinhos estanques, cada qual com seus recursos, e o estímulo a uma ação comum é avaliado por cada um deles numa balança de perdas e ganhos.

Será que a organização é tão engessada pelas suas características estruturais que não havia sido discutido um "plano B" para o caso da negação do registro, hipótese que estava na mídia há meses? Precisaram que Marina Silva, sozinha, na calada da noite, ligasse parar Eduardo Campos para impor-se como vice na sua chapa, porque não havia discussão acumulada no partido? Que o candidato pernambucano aceitasse a proposta sem consultar a ninguém é uma coisa "natural" num partido de caciques, mas Marina sozinha definir a estratégia em nome de todos, por falta de discussão prévia das opções em caso de negação? Agora, para bem ou para mal, some a proposta do partido e Marina passa a ser um propósito em si. Ame-a ou deixe-a.

Marina agora fala por si. Sua primeira declaração, que certamente não tem unanimidade nem na Rede nem do PSB, ataca frontalmente o PT no mesmo tom usado pela extrema-direita e pela mídia golpista. Disse que sua missão agora é acabar com o "chavismo do PT". Mesmo dizendo isso em tom de desabafo, que no fundo, no fundo não procede porque a falha foi do seu atacante e não do zagueiro adversário, a declaração a colocou no campo do DEM, partido que já está se articulando com Eduardo Campos para dar palanque em diversos estados. O mesmo Ronaldo Caiado que liderou a UDR contra o Códido Florestal agora dará palanque a Marina. Será que o Partido Rede não fez análise de conjuntura, não montou uma árvore de decisões com opções táticas para os diversos cenários?

O PT foi um sucesso de organização porque desenvolveu uma forte capilaridade tendo nos extremos núcleos de militantes dedicados à atividade política, unidos por interesses comuns. Núcleos por profissão, núcleos por grandes unidades produtivas, núcleos de direitos sociais (mulheres, negros, homossexuais, etc), todos produzindo política associada à prática, subindo as idéias pelas instâncias até o topo, e executando as ações centralizadas pela política geral do partido. Enquanto não se burocratizou, por volta de 1993, o PT uniu discurso à prática e virou uma marca poderosa, que resiste até hoje mesmo golpeado poderosamente todos os dias pela mídia , pela direita e pela esquerda. Todo mundo sabia como agir, mesmo diante de novas realidades. Havia uma ideologia em meio à estrutura.

O modelo do PT das origens é muito diferente do Rede na sua origem. Ambos comportam elementos de democracia direta,  por razões diversas esbarram na falta de democracia na cúpula mas conseguiram resultados diferentes. O PSTU e o PC do B são organizações bem diferentes do PT das origens (não do atual, satélite fisiológico do governo) e do Rede. O espaço de participação da base é bem menor, e a ação é mais militarizada.

Como sair disso? Essa é a pergunta de um milhão de dólares. Será que tem como fazer acontecer a organização virtual com poder real?


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