Olhando as nossas mídias, o episódio da preferência de Lula pelos aviões Rafale franceses parece uma decisão meramente política para agradar Sarkozy na festa do 7 de setembro. Quando a gente vasculha jornais franceses ou até da Venezuela, enxerga com os olhos do mundo o que está acontecendo. A crer nas manchetes do Le Monde , temos que:
- a América Latina está numa escalada armamentista, onde o Brasil, com a compra dos aviões franceses, tenta reforçar sua posição estratégica para confrontar a influência norte-americana na região;
- a negociação dos 36 Rafale implicará na contrapartida de compra pela França de 10 aviões de transporte militar KC-390 da Embraer;
- Lula disse que o Brasil pode ser uma grande potência no século XXI, e deve jogar um papel de conciliador, de pacificador;
- Lula declarou sua preferência pelos Rafale, a partir do compromisso francês de transferência de tecnologia de ponta ao Brasil, e que o país seria o primeiro estrangeiro a adquirir tais aviões;
- Ministro da Defesa da França nega que a venda ao Brasil seja a tábua de salvação para a empresa francesa Dassault;
- O Brasil não terminou o processo de seleção, aguardando novas ofertas dos concorrentes.
O jornal venezuelano El Universal publicou em 10/09 artigo com o título "Brasil se converte em potência armada". Diz que a aproximação entre Brasil e França cria um terceiro eixo de influência na América Latina, pois a Venezuela optou pela Russia para compra de armamentos, enquanto a Colômbia optou pelos Estados Unidos.
O Clarín argentino noticiou o maior pacto militar do Brasil dos últimos 50 anos, com a França, numa escalada armamentista onde gastará muito mais que a Venezuela e a Colômbia, e questiona o gasto enquanto há muita miséria a combater. Diz que a Argentina está fora dessa corrida, e que as riquezas incomensuráveis sob o mar justificariam o gasto.
Os americano New York Times reportou que Sarkozy iria ao Brasil tentar vender os aviões. Nada na CNN. O Wall Street Journal também não deu maior destaque, limitando-se a publicar declaração de Celso Amorim onde diz que o processo de seleção não está concluído.
Para quem quer ver mais informações sobre o assunto, uma dica é o fórum de debates http://www.aereo.jor.br/ , onde aparentemente tem gente da área tratando de forma bastante técnica a discussão sobre as melhores opções. Outra boa consulta é http://colunistas.ig.com.br/luisnassif/2009/09/10/os-custos-do-rafale/
O fato é que a França, no governo do direitista Sarkozy, tem apoiado a entrada do Brasil no conselho de Segurança da ONU, e busca aliados para estabelecer um novo polo de poder. O Brasil, por sua vez, quer fugir de fornecedores americanos, primeiro porque só nos vendem sucatas, como parece ser o SH F-18 da Boeing, que está para ser substituído por lá por aviões mais atuais. E também não tem interesse em comprar produtos de prateleira, sem transferência de tecnologia e de possibilidade de fabricação em território nacional.
Quando o governo brasileiro disse que topava comprar os Rafale desde que os preços sejam competitivos e que haja efetiva transferência tecnológica, abriu a concorrência a novos lances. A embaixada americana comunicou ao governo brasileiro que a Boeing também transferiria tecnologia, na forma de montagem dos aparelhos no Brasil. Já a SAAB, fabricante do Gripen, que só tem um protótipo em desenvolvimento, também tenta melhorar a proposta. Lula não errou ao dizer, em tom de brincadeira, que daqui a pouco vão oferecer aviões "de graça". Para as grandes potências, essa venda envolve dividendos geopolíticos que vão além do preço dos caças.
Essa nova fase da concorrência é boa para o Brasil, que agora terá como receber propostas de menores preços e obter mais vantagens. A França desesperadamente tenta exportar o seu avião top de linha, para baixar os custos de investimento que fez para substituir os Mirage. Os Estados Unidos, potencial maior ameaça às riquezas brasileiras do pré-sal e da Amazônia, quer de qualquer jeito vender armamentos que possa neutralizar em caso de confronto.
Outra informação interessante para formar a opinião é que o avião F-22 Raptor é o top de linha americano, e não se encontra à venda. Já o Rafale F-3 é o principal armamento da força aérea francesa, e tem previsão de evoluir por mais 20 ou 30 anos. De qualquer forma, mesmo com o Brasil comprando 36 aviões, isso é muito pouco perto da possibilidade dos americanos colocarem 900 caças na nossa costa apenas em porta-aviões. O Brasil gastará muito para pouca efetividade de defesa em relação aos grandes, mas se firmará como potência militar perante os vizinhos, o que é um grande desperdício. Pior que a falta completa de segurança territorial é a ilusão de segurança territorial.
sexta-feira, 11 de setembro de 2009
Defesa : a opção estratégica pela França
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