Qual a taxa de administração justa para a gestão do Brasil? Quanto representa hoje a "taxa de intermediação política", ou seja, a relação entre o que se perde em ineficiências, incompetências e corrupção e a quantidade de recursos disponíveis, ou seja, quanto se perde por Real gasto para alimentar as máquinas decisórias?
Já dizia Lord Kelvin, o engenheiro irlandês que criou a escala de temperaturas absolutas, que "se não se medir, não se consegue melhorar". As medições atuais que contemplam os rankings de corrupção dos países são subjetivas, e baseiam-se na capacidade de governança exercida sobre os recursos. Não temos idéia de quanto representa a apropriação privada da receita arrecadada, portanto será difícil estabelecer parâmetros para gestão, estabelecer metas, ou comparar governos e políticos.
O governador paulista Adhemar de Barros cunhou a frase "rouba, mas faz" para dizer que há políticos menos ruins, afinal, temos uma vasta quantidade de casos onde se roubou integralmente uma verba sem nada feito. Nessa ótica, quem "rouba, mas faz" seria um político melhor. No mercado de obras públicas, por exemplo, as conversas informais apontam para um roubo básico de 30% numa obra de prefeitura pequena, sendo 10% para o empreiteiro que monta o projeto, 10% para o prefeito e 10% para o deputado que aprova a verba no orçamento. Essa é só uma base da perda, pois há obras onde a "taxa de intermediação política" (TIP) pode chegar a 100%, que é o da verba aprovada e inteiramente comida pela corrupção.
Os custos de intermediação também passam pela manutenção de imensas redes políticas em todas as esferas. Os legislativos custam muito caro, e sua ineficiência é comprovada quando os executivos governam por medidas provisórias ou o poder judiciário faz leis com suas decisões. O custo do legislativo não é só o custo total dos seus proventos, vantagens, gabinetes, representações, mais a estrutura burocrática e instalações das casas legislativas. É também o gasto dos partidos com as eleições, mais as vantagens oferecidas por lobistas, empresários, etc.
Mais intangível, mas também parte do esforço de quantificação, é o custo das decisões erradas ou corruptas, como o pagamento de taxas de juros abusivas a empréstimos ou títulos públicos. Quanto custa a elevação de um ponto percentual da SELIC? Essa é uma decisão que pertence a um pequeno grupo, quase autônomo, que representa bilhões de reais, muito mais do que toda a TIP embutida no orçamento público.
A corrupção nas esferas públicas tem como geradora a disputa por privatizar recursos limitados disponibilizados para atender às necessidades do povo. Isso se confunde hoje com o "fazer política". Quando os governos querem consolidar uma base aliada numa determinada votação, liberam as verbas de obras e programas dos parlamentares. É uma forma de propina, que torna injusta a distribuição de riquezas, para atender a interesses de grupos ou partidos. O "mensalão" é uma regra, não exceção.
Hoje tudo que é feito em termos de fiscalização ou de clamores populares pela moralização é no sentido de controlar a corrupção, entendendo que a política tem natureza corrupta. Aqui e ali vejo instituições propondo que se elejam "bons políticos", "pessoas de bem" e "salvadores da pátria" para acabar com a corrupção. Deve-se lembrar que esses bons propósitos já levaram uma ditadura militar corrupta ao poder em 1964 e um "caçador de marajás" à presidência em 1989.
Não nos esqueçamos dos que entendem o mercado como "isento" e "apolítico" e tentam privatizar tudo a preços vis, a grupos ligados a políticos e que depois impoem monopólios e oligopólios privados à população. Esses irrigam as mídias com volumosos recursos para fazer o discurso ideológico que os favorece. Fazem de tudo para que os recursos públicos sejam revertidos em benesses para o setor empresarial privado, e combatem programas sociais, reajustes de funcionalismo, reequipamento do estado, etc.
Os tribunais de contas são peças de ficção política, já que seus titulares são políticos nomeados pelos próprios políticos. Fazem política quando liberam ou emperram obras públicas. Toda a máquina política funciona assim, e a cidadania passiva do brasileiro tenta jogar para o próprio sistema a sua "auto-fiscalização". Já os governos alegam que estão sucateados, sem gente para fiscalizar.
Não há organização social independente, que submeta a intermediação política à sua fiscalização e, mais que isso, à sua direção. Mesmo as da esquerda mais numerosa sucumbiram às benesses de cargos e salários. E as raras exceções não fazem volume capaz de incomodar ao sistema. Vide a meia dúzia de gatos pingados que mostram suas caras para pedir "Fora Sarney".
E assim vamos nós, convivendo com síndicos que reformam seus apartamentos com as taxas de obras, com sindicalistas que fazem suas campanhas eleitorais com recursos dos associados, com a exploração da fé para eleição de bancadas "religiosas", com os desvios de obras e compras públicas para eleger prefeitos e vereadores, com propagandas oficiais pagas às mídias para promover políticos caras-de-pau e toda a ruindade que a ganância pode produzir em cima da maioria de crédulos e otários que pagam a conta.
O pior não é perceber que pagamos impostos para alimentar a TIP, e não os benefícios que deveriam retornar na forma de cidadania para nós ou para os mais necessitados. É não enxergar soluções sem a efetiva participação organizada da grande maioria e, mesmo assim, sabendo de antemão que as organizações bem intencionadas também acabam por se deteriorar ao chegar às esferas do poder. Será que nunca sairemos dessa recorrência?
PS: a palavra TIP, em inglês, significa uma gorjeta, um pagamento além do que está contratado. No caso, não tem a ver, porque gorjeta significa o pagamento adicional pela satisfação de um bom serviço prestado.
terça-feira, 8 de setembro de 2009
O custo da intermediação política
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