segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Rio : A estranha trégua na Rocinha e Vidigal

O governo fluminense tem obtido relevante sucesso com a política de pacificação de comunidades violentas. Onde foram implantadas as Unidades Policiais Pacificadoras, os índices de violência cairam sensivelmente, tanto nas comunidades como no seu entorno. A estratégia tem priorizado os locais de maior "PIB" do tráfico, como a Zona Sul (Leme, Copacabana, Ipanema, Botafogo) e os aredores do Maracanã, onde haverá a Copa de 2014.

Até aqui foram retiradas do domínio territorial armado do tráfico ou das milícias 11 comunidades, entre elas a Cidade de Deus e o Batan, de maior porte e muitas rotas de fuga. Na Rocinha e Vidigal, que são as maiores comunidades próximas à Zona Sul, havia uma relativa paz, mesmo sem UPP. Com o episódio de guerra do último sábado, quando a polícia tentou emboscar o "chefe" desses morros, o Nem, ficou exposto que nessas áreas há um verdadeiro paiol de armas.

Eram 4 vans com bandidos fortemente armados, com coletes à prova de bala, cerca de 40, segundo a imprensa, e mais 60 equipes em motos. Isso é um comboio militar, que se deslocou à luz do dia num trecho de 5km entre o Vidigal e a Rocinha, passando por áreas críticas para a ligação Zona Sul - Zona Oeste (Barra, Jacarepaguá, etc). Os policiais tinham a informação do deslocamento, e resolveram emboscá-los numa rua com poucas opções de escape, como num desfiladeiro. A única alternativa foi o retorno para a praia, e a invasão do Hotel Intercontinental, cheio de turistas estrangeiros. Felizmente a negociação do BOPE resultou na rendição dos bandidos sem ferir nenhum refém. Uma mulher morreu no tiroteio da rua e foi colocada na conta dos bandidos.

Na Rocinha estão importantes obras do PAC, já mostradas em propagandas eleitorais, como centro esportivo. Tudo na paz, que certamente foi negociada com o alto comando do tráfico através de "lideranças comunitárias" que são o braço político dos grupos armados. Creio que o dilema das autoridades está em encarar o crime com um conflito de amplo espectro, porque esses morros são cidadelas do tráfico, e esperar passar as eleições e continuar a prospecção de inteligência para um ataque mais cirúrgico.

A prioridade na busca de armas tem dado resultados expressivos. No ano passado foram apreendidas no Brasil 40 mil armas, sendo 20 mil no Rio. Os 18 mil policiais envolvidos nessas ações receberam bônus em dinheiro pela queda da criminalidade, variando de R$ 500 a R$ 1500. Na Cidade de Deus, não se registrou nenhum homicídio doloso, o que é um resultado espetacular comparado ao que existia antes. Alguns números do crime no Rio e entorno, segundo o jornal O Dia:

Tipo de ocorrência jan a jun/2009 jan a jun/2010 Variação
Roubos de rua 47.591 40.828 -14%
Roubos de veículos 14.112 10.865 -23%
Homicídios 3.198 2.556 -20%
Policiais mortos em serviço 23 8 -65%
Autos de resistência 561 505 -10%

O episódio de sábado deixou explícito um estranho acordo tácito, nos moldes dos iniciados no governo do Brizola, onde a polícia e os bandidos passaram a ter territórios com limites definidos. Esse tipo de acordo é o que pode explicar, por exemplo, que autoridades vão ao morro ver obras sem nenhum problema. Ou que os Rolling Stones façam um show para 1,5 milhão de pessoas na praia, sem nenhum incidente grave. Parece que as 11 UPPS até aqui implantadas foram os anéis que o tráfico entregou para não entregar os dedos, que estão nos gatilhos das suas armas.

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