sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

2009 - O capitalismo em xeque

A grande crise econômica que desembocou em 2009 acelerou processos que marcarão a humanidade nos próximos anos. A exaustão de recursos do planeta está exigindo uma radical mudança de postura dos humanos que nele habitam e dele necessitam para viver. A mais importante mudança está no deslocamento da direção do mundo pelo capital, pelo mercado, para o atendimento às necessidades da maioria. Os sintomas de descontentamento e as ações para a mudança são sutis, mas estão presentes na conjuntura. Forças foram acumuladas, mas ainda são insuficientes para derrotar o sistema caótico que nos leva à destruição. Algumas coisas, no entanto, começam a ficar mais visíveis.


Um indicativo está na consagração de Lula como liderança de alcance mundial, em 2009. Os prêmios e homenagens que recebeu não têm, evidentemente, o caráter bajulatório do Nobel dado a Obama praticamente sem ter dito a que veio. Ficou evidenciada a origem simples de Lula, e a sua trajetória de homem do povo, de lutador pelo coletivo, contrariando toda a lógica do capital que lhe reservaria um lugar de mero espectador entre as massas exploradas. Em meio à crise mundial, Lula representa para muitos a vitória de um modelo econômico onde as políticas sociais foram ampliadas e levaram o país à rápida recuperação, enquanto os que privilegiaram o socorro ao capital têm seus problemas sociais agravados pelo alto desemprego e queda abrupta dos padrões de consumo.

Enxergam o Lula idealizado, do combate à fome, da palavra pela sustentabilidade e pela oportunidade, que fala grosso com os poderosos, de uma forma diferente que nós vemos por aqui ao descermos ao realismo da sordidez política provinciana local. Precisam de um ícone mundial para fazer visível uma contraposição às verdades absolutas do cerne do capital. Apostam no que Lula simbolizaria de melhor para botar na vitrine, tornando desprezíveis seus defeitos diante de um objetivo muito maior. Esse Lula inflado, que tem a cara dos pobres mas que não prega a destruição dos ricos, deverá transcender ao seu papel nacional e conseguir atuar como mediador internacional mesmo fora do mandato presidencial, talvez chegando à ONU.

Outro fato que chamou a atenção foi a pesada manifestação por uma nova postura planetária durante a COP 15. Durante duas semanas milhares de manifestantes, em Copenhagen e por todo o mundo, pediram um novo mundo, mais justo, mais sustentável, menos consumista. A mensagem ecoou pelo planeta, e encontrou na fábrica do consumismo, a China, e no estilo de vida consumista norte-americano, infelizmente copiado por aqui, suas maiores barreiras. As lideranças desses países mostraram claramente que não cederão espaços facilmente. Obama e Jintao sairam da COP 15 como vilões, não se comprometendo com nenhuma meta de redução de emissões.

O mundo não será mais o mesmo após o confronto da COP-15, que deixou mais clara a estrita relação entre sustentabilidade e humanização, colocando em polos diferentes o consumismo desenfreado de poucos e o atendimento às necessidades básicas da maioria. Por trás dos números de temperaturas e emissões está a luta dos países mais pobres em tirar seus povos da miséria, e a insistência na destruição dos recursos naturais para atender aos luxos que o marketing vende como necessidades. Não se configura uma reedição da luta de classes descrita por Marx, mas um conflito por redistribuição, pela criação de oportunidades para todos, como Lula falou no seu aplaudido discurso no encerramento da conferência. A tolerância com a acumulação do capital está em xeque.

Outros indicadores recentes estão na batalha americana por um serviço de saúde que inclua socialmente cerca de 36 milhões de pessoas que ficam à míngua quando adoecem. Essa bandeira socializante, da extensão da saúde a todos (e ainda ficarão 20 milhões de fora), foi um dos diferenciais que elegeram Obama em 2008, um recado dado por uma fatia da sociedade que foge à exclusão do capital no seio do império do consumo. Hoje, o papa Bento XVI, falando aos milhões de católicos na missa de natal, pediu que as pessoas tenham uma vida mais simples. Também disse que a maior crise de hoje não é econômica, é moral. Isso tem a ver com a tendência de mudança de posturas que dominará os próximos anos.

Mais genéricos, menos personalização. Mais padronização, menos sofisticação. Mais soluções coletivas, menos individuais. Mais eficiência, menos desperdício. Mais igualdade, menos egoísmo. Mais visão global, menos local. Mais "para todos" e menos "para você". Essas tendências já estão tomando o cotidiano nas áreas secundárias do modelo dominante, na adesão espontânea de pessoas e organizações a conceitos de sustentabilidade e justiça social, mas dificilmente mudarão o essencial do sistema capitalista, a não ser através do conflito, do combate cotidiano e radical aos valores que levaram o mundo à beira da exaustão e insistem em trilhar o irracional caminho do colapso e da barbárie. Esse é o combate que deverá ser feito em escala planetária, acima de governos e modelos econômicos, em 2010 e além.

O lucro precisa deixar de ser o indutor da civilização humana. Isso ficou mais claro em 2009, mas ainda é insuficiente para a criação de uma consciência que permita a superação do atual modelo civilizatório para algo muito melhor, antes que as guerras por recursos e a barbárie da luta pela sobrevivência enterrem de vez o nosso futuro. Que em 2010 tenhamos sucesso nas nossas lutas para elevar a qualidade das nossas vidas como um todo.

2 comentários:

  1. Prezado Branquinho,
    A bajulação internacional ao Lula levou-o a deixar de enxergar a realidade que nós, brasileiros, estamos vivendo e as gravíssimas consequencias que virão já, a partir do mpróximo ano.
    Em seu último discurso o Presidente afirmou que os impostos continuarão altos e que os empresários deverão reduzir custos para competir.
    é claro que temos escondido um viés: Lula falou apenas para os empresários da indústria e serviços. Os únicos obrigados a encarar a concorrência internacional, da China, principalmente, de forma absolutamente suicida e sem esperanças.
    Ao outro empresário, do mercado financeiro, Lula preservou, in totum, a política neoliberal de FHC e os empanturra de dinheiro (R$ 220 bilhões este ano) e mantém a taxa de juros absurdamente alta, com um Banco Central absolutamente caquético e superado.
    Com isto, o deslumbrado presidente destrói a indústria como nenhum outro. A virada do perfil de nossa balança comercial (voltamoa a ser exportadores de matérias-primas)a a sua incapacidade de cobrir o rombo do balanço de pagamentos já se consolidou para o ano próximo.
    Hoje, de sandália de dedos, a porta-retratos, passando por carros (de péssima qualidade), aparechos da linha branca e computadores, para não falarmos muito são chineses. A mesma China que Lula, o visionário, reconheceu, de graça, como economia de mercado e que, agora, entuba o Brasil com seus produtos subsidiados por uma falta total de direitos sociais e pela manutenção da sua moeda desvalorizada em mais de 43%, em relação ao dólar e mais que isto, em relação ao Real.
    É contra essa condição, mantida pela política neoliberal do Presidente, que ele manda que os empresários da área produtiva concorram. "baixem os custos".
    Risível e extremamente trágico.
    No fundo, no fundo, a submissão ao consenso de Washington consegue sobrevivier no Brasil, na barriga do PT.
    Abraços
    Jusemat

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  2. Meu caro amigo, teu artigo é um ótimo resumo do que foi 2009 - e do que esperamos em 2010.

    Resta-me apenas dois comentários breves:

    A primeiro diz respeito à hipocresia que domina o mundo após anunciado pelos cientistas as causas e consequências do aquecimento global. Dilma Roussef levou consigo à COP-15 um grupo de personalidades influentes na política nacional, dentre elas o Vice-Presidente do BB Robson Rocha - que defende os negócios com créditos de carbono como saída para a crise ambiental global. Esta visão míope - de obter lucros com a crise anbiental global ao contrário de ampliar o controle sobre financiamentos ambientalmente nocivos - foi o ápice da conferência, coroado pela inércia dos vilões do modo de produção e do modelo de consumo. Enquanto o Greenpeace e outras ONGs protestavam contra o consumo da carne animal (grande vilão na conversão de florestas em pasto), comensais no Vaticano se fartavam de carne animal enquanto o Papa prega "menos consumo". É preciso acabar com a hipocresia.

    A segundo comentário diz respeito ao modelo econômico do presidente Lula: o nacional-desenvolvimentismo. Esse modelo foi experimentado pela primeira com Getúlio Vargas nos anos 30, 40 e 50 e no final dos anos 50 por JK. Deu certo do ponto de vista eleitoral e na melhoria dos índices econômicos do país, inclusive quanto à ascensão social de famílias pobres através de políticas sociais. Porém não resolveu o problema da distribuição de renda, mantendo a acumulação do capital e gerando mais alguns milionários tupiniquins (segundo levantamento da Forbes). Sem distribuição de renda, o país cresce e todos crescem também, mantendo suas desigualdades. Talvez esse seja o grande "pecado" de Lula, mas não somente dele - e sim do modelo econômico escolhido.

    Continuo na luta pelo ecossocialismo, integrando as visões ecológicas, econômicas e sociais sob uma mesma política integrada de desenvolvimento sustentável com justiça social.

    Um forte abraço,

    Moysés Berndt

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