sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Libia : a difícil transição para tirar Kadafi

Kadafi já teve o amor e ódio das superpotências em vários momentos. Nos últimos 10 anos, o terrorista inimigo do mundo ocidental, apoiador de grupos guerrilheiros em várias partes do mundo, manobrou para voltar ao bom relacionamento com o ocidente. Refez relações com a Itália, Estados Unidos, Grã Bretanha, implicando na atração de investimentos do grande capital.


Tendo o controle férreo do país, já que a Líbia é em parte um arranjo de tribos rivais que historicamente se digladiam, Kadafi garantiu a "paz social" para o capital ter seu retorno em investimentos com menos riscos. O Brasil, mesmo sem ter interesses do mesmo porte, segue a atitude de condenar a violência sem exigir a saída de Kadafi. Mendes Júnior, Odebrecht e Petrobrás estão por lá, sem muito peso.

A saída de Kadafi, portanto, poderá significar o mesmo que a Iuguslávia pós-Tito, ou as repúblicas da URSS com o colapso da União Soviética, com o esfacelamento do poder central. Kadafi mantem a "Iuguslíbia" unida com mão-de-ferro, e isso pode acabar, para desespero dos analistas de negócios estrangeiros.

A relativa passividade dos Estados Unidos, Grã Bretanha e outros, a saída ordenada dos seus cidadãos em Tripoli, área dominada pelas forças leais ao governo, e o esforço para manter o fornecimento de petróleo ao ocidente parecem mostrar que Kadafi ainda tem utilidade ao capital, mas precisa ser substituído porque há clamor mundial contra o massacre de civis. Kadafi chegou a dizer que Al Qaeda, inimiga número 1 dos EUA, está contra ele, como quem busca apoio, mas já é tarde: as potências já o rifaram, e agora buscam alternativas para sua substituição.

Os grupos de oposição que podem chegar ao poder estavam todas no exílio, pois o estado policial de Kadafi eliminava os dissidentes. Não há sindicatos ou organizações independentes operando abertamente na Libia. Os militares líbios não têm a expressão dos egípcios ou tunisianos, a quem as superpotências elegeram para a transição democrática mantendo sob controle os interesses econômicos e os acordos com Israel. As lideranças tribais são sobreviventes a Kadafi, e não faziam oposição a ele. Os líderes religiosos também se submeteram ou esconderam. E aí, qual a alternativa de poder?

Um dos grupos mais ativos, a NFSL (National Front for Salvation of Lybia), parece confiável aos americanos. O noticiário da CNN tem nos últimos dias um dos seus membros como comentarista dos acontecimentos. Hoje na sua entrevista disse que não querem a intervenção estrangeira, mas o bombardeio das bases de onde partem os ataques das milícias de Kadafi e o fechamento do espaço aéreo para evitar bombardeios. Em alguns sites que pesquisei há referências ao patrocínio da central de inteligência americana CIA no treinamento, apoio material e logístico e outros recursos para a NFSL.

A NFSL é uma das sete entidades que compõe a National Conference of Lybian Oposition (NCLO), onde estão grupos de direitos humanos e até pró-restauracionistas monárquicos, cujo programa tem basicamente três elementos:

- o desmonte de todas as forças revolucionárias, políticas, militares e de segurança de Kadafi;

- a formação de um governo de transição formado por indivíduos reconhecidos por serem confiáveis e por terem capacitação para dirigir o país por um período não maior que um ano, com a tarefa de restaurar a vida constitucional;

- estabelecer um estado constitucional e democrático, fundado em conceitos como a diversidade política e cultural e pacífica transição de poder; um estado que garanta os as liberdades fundamentais e os direitos humanos, que estabeleça o regime da lei, igualdade e iguais oportunidades para todos os cidadãos líbios sem qualquer forma de discriminação; que proteja e desenvolva os recursos nacionais, e tenha relações internacionais equilibradas, baseadas no respeito mútuo.

A oposição tem sido competente em manter as áreas "Kadafi free" organizadas, sem saques nem desordens, com a formação de comitês de ativistas para suprir as diversas necessidades. No vácuo que se estabelecerá com a saída de Kadafi, é natural que um grupo organizado preencha os espaços, tanto com os seus quadros como com gente do antigo regime detentora das informações vitais do país.

Isso não atinge o pessoal dos conselhos revolucionários de Kadafi, sua guarda pessoal, aqueles que estavam com ele hoje de platéia no comício que fez em Tripoli, e são os responsáveis diretos por anos de repressão. Essa é a turma que vai ter que passar pelas "comissões da verdade" em breve, e arcar com as responsabilidades pelos crimes cometidos durante o regime depressivo.

O ocidente não vai ter outra opção senão apostar nesse balaio de gatos da NCLO, que não tem nada contra o capital, mas embute potencial para futuras crises quando forem governo, a exemplo do parlamento do Iraque, que ficou meses sem definir o governo.

Se as potências vacilam em forçar a saída de Kadafi, setores da esquerda também se opoem à sua saída. Cuba e Nicarágua deram seu apoio a Kadafi, talvez pelos velhos tempos em que o coronel confrontava os americanos. No Brasil, o PT não tem posição oficial até agora. O fato é que, tirando as seitas de esquerda que apóiam qualquer um que diga que é contra alguém, o assunto Kadafi é espinhoso pelo seu passado de alinhamento com forças marxistas.

O que fazer com o velho ditador, que hoje fez discurso dizendo que seu destino é morrer, junto com a família, na Líbia? Na próxima segunda-feira, o secretário geral da ONU, Ban Ki Moon, irá reunir-se com o presidente americano Obama para discutir sanções, etc. Enquanto isso, Kadafi vai matando muita gente, ainda na esperança de manter uma área do país sob controle. Pelo menos enquanto estiverem evacuando os estrangeiros, parece que ninguém quer dar um passo adiante para afastar Kadafi.

Um comentário:

  1. Muita boa sua análise.

    Os EUA estimularam esses acontecimentos no estado inimigo Iran. Não deu certto e a coisa acabou se espalhando nas ditaduras de seus próprios aliados, Libia inclusive.

    Qual sua análise do que (não) vai acontecer no Iran?

    Lá, de fato, houve uma revolução, a islâmica. E o estado teocrático não se sustenta em uma ou outra personalidade. Tem até eleição presidencial, como tem nos EUA. Muita parecida, inclusive.

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