quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

RJ : A tragédia das trombas d'água na serra

Fui ver o Bom Dia Brasil antes de viajar de Brasília para o Rio e acreditei na previsão do tempo para hoje, em meio à notícia das tragédias na região serrana do Rio, destruindo muito e matando gente em Petrópolis, Teresópolis e Friburgo. O gráfico da meteorologia mostrava o "armagedon" previsto para Minas e Rio, justo onde o avião ia passar. Não costumo me preocupar com vôos, mas neste já entrei como boi no brete do matadouro. A agradável surpresa é que não teve nada de preocupante em todo o percurso, que foi desviado até a região de Mangaratiba, retornando para pouso no Santos Dumont. Normalmente os vôos nesse percurso passam por cima de Petrópolis.

Pelas imagens da TV e notícias que li, deu-se na serra do Rio o fenômeno de cabeça d'água, que é muito diferente do que ocorre em São Paulo. É um tsunami morro abaixo, bem diferente de um deslizamento de encosta. A região serrana do Rio tem altas montanhas, de encostas íngremes, circundando vales onde estão escavados os rios, e em cujas beiras e sopés das elevações estão as construções. Tais vales estendem-se por grandes percursos, com área de bacia de captação de chuvas que, ao receberem uma forte chuva, como aconteceu, rapidamente desloca, praticamente sem absorver por infiltração, toda essa água para as calhas de rios, causando a rápida elevação do seu nível, surpreendendo os que se encontram a jusante.

Parece efeito de uma barragem sendo rompida, com grande volume de água subindo rápido e muito velozmente. A região serrana normalmente tem fortes chuvas no verão, mas o ocorrido deve ter sido uma tromba d'água, uma grande precipitação concentrada em alguns pontos, que combinada ao relevo cria a cabeça d'água devastadora. É diferente do deslizamento de encostas mais corriqueiro, onde o solo vai se encharcando com vários dias de chuva, perde coesão e há o deslocamento, mas o material escorrido fica depositado ao pé da elevação.

Foi assim no ano passado na Ilha Grande e no Morro do Bumba. O problema da serra é que as encostas se rompem diante do fluxo de água em grande volume e velocidade, arrastando o solo e tudo que tem em cima dele. A enxurrada não pára: desce os vales e só consegue parar ao perder energia numa planície onde há alargamento do fundo da depressão. Por onde passa, soterra tudo. Não pode ser comparado ao transbordamento de rios em áreas de menor declive.




No caso de São Paulo capital e regiões do planalto, o terreno é ondulado, boa parte das habitações está nos vales, encostas e cumes. As bacias de captação têm grandes áreas, mas pela baixa inclinação dos terrenos e pelos solos porosos, há infiltração de parte das chuvas até a saturação, e o excedente desce em baixa velocidade até os córregos e rios. As águas não sobem com tanta velocidade na maior parte da região, mas como os principais rios recebem muitos afluentes, há pontos onde o nível da água sobe mais rápido, com correnteza, mas bem menos destrutiva que nas regiões de serra.

A energia da torrente fica explícita na quantidade de terra, rochas, árvores e no efeito desintegrador sobre as construções. A cabeça d'água deixa rastros inacreditáveis para quem vai ao local em épocas normais. Há muitos anos costumava acampar na subsede do Parque Nacional da Serra dos Órgãos (onde fica a formação montanhosa conhecida como Dedo de Deus, no topo da serra), a meia-encosta da serra. As pessoas da região alertavam para sairmos de perto do rio se o tempo fechasse, porque não precisa estar chovendo no local para ter a cabeça d'água. Pode chover no topo da serra, e as pessoas só perceberem a onda de choque arrastando tudo, mesmo com o tempo bom. Havia em topos de árvores sacos plásticos, troncos e outras marcas difíceis de entender, mas eram sinais do nível que as águas atingiam.

De lá para cá tudo piorou. Uma coisa é o fenômeno natural secular da cabeça d'água. Outra é a irresponsabilidade dos gestores que permitiram a ocupação desordenada de várzeas e encostas em áreas historicamente conhecidas como vulneráveis à destruição pelas águas. O que aconteceu no centro de Nova Friburgo é inacreditável. A encosta desceu toda, parecia estar completamente desestabilizada, arrastando prédios bem construídos e chegando à praça principal. Em Itaipava até mansões estavam em lugares de risco.

Como o governo no Rio não tem a empáfia de outros vizinhos, que dizem que está tudo bem, pediu socorro ao governo federal, que disponibilizou as forças armadas e dinheiro. Dilma mandou liberar R$ 700 milhões para todos os estados atingidos e vem por aqui amanhã ver os estragos.

É aquela coisa: prevenir é barato, mas tem custo político de tirar pessoas das casas, parecendo perseguição aos pobres. Cabe às prefeituras permitir e fiscalizar o uso do solo. Isso tira voto, mas salva vidas, e tem que ser feito em sintonia com programas habitacionais e a demolição / preservação do solo nas áreas desocupadas. Reparar é muito mais caro, mas é o que se faz, porque na hora da desgraça, tem gente que faz clientelismo eleitoral.

5 comentários:

  1. Os fatos estarrecedores mobilizam a todos, de alguma forma. Não há quem não se arrepie com o que vê, no mínimo pensando em si ou nos seus.
    Precisamos ter uma atitude organizada, consciente, solidária ou ainda veremos muitos de nós morrermos com muita coisa para fazer por aqui pelo coletivo, cada um a seu modo.
    A vida não vale muito se for vivida só pra si mesmo. Essa postura tb é politica.

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  2. Parabéns! Muito bem explicado! Amei seu texto!!

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  3. Porém, como 99% das postagens sobre o assunto, anuncia como o fenômeno sendo tromba d'água. Podem falar cabeça d'água, o povo aprende, não é ignorante.

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  4. Pois é Fernando, anos a fio governantes fizeram esse triste papel de vedar os olhos e o que se vê hoje são essas tristes e inacreditáveis imagens de montanhas rasgadas, gente morta e tudo o mais. Foi um grande choque tudo o que aconteceu. Os dias passam e, quando se olha, o quadro, ele continua devastador. Andar pelas ruas empoeiradas e constatar a destruição, resgata toda a angústia vivida naquela noite de 12 de janeiro. Parabéns por seu texto, Solange de Paula

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  5. O que falas aqui, não deixa de ser, a mais pura das verdades, as tragedias estão sendo um foco de clientelismo eleitoral, nunca se ve tantos homens do poder dentro de lama como está se vendo agora. E a mídia, ainda tende a ressaltar as perdas dos mais ricos, como se para eles a tragedia dos mais pobres so fosse um foco de audiencia.Parabéns pelas suas matérias! Ruhana Rolim.

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