O que leva a Folha de São Paulo a destacar em primeira página que a presidente Dilma tirou da sua sala a Bíblia que a adornava na gestão Lula? Saudosismo de um processo eleitoral radicalizado, onde a Inquisição midiática quase fez o papel do Conselho Revolucionário do Irã, que diz quem pode e quem não pode ser candidato a partir de critérios religiosos? Vão recomeçar a temporada de incitação à intolerância que, pelo mundo afora tem feito desgraças?
Estão muito recentes os atentados contra cristãos coptas, em plena missa do ano novo em Alexandria, no Egito, e a morte do governador do estado do Punjab, no Paquistão, pelo próprio guarda-costas, porque teria se manifestado contra leis de cunho islâmico que punem a blasfêmia. Não dá para brincar com isso, porque a fé cega as pessoas, que se radicalizam com facilidade. Um passa a demonizar o outro, e a violência explode. Por esse tipo de coisa a religião foi apartada do estado desde a proclamação da república no Brasil. Nossa constituição de 1988 referenda isso. O Brasil não tem religião oficial, mas proclama a mais ampla liberdade de culto.
Isso é incompatível com a persistência de símbolos de uma religião nos espaços do poder público. A Bíblia e a cruz, símbolos exclusivos das vertentes cristãs, não representam os judeus, os budistas, os muçulmanos, os umbandistas, os ateus, etc. Não deveria ser Dilma ou qualquer governante deveria retirá-los de lá, porque simplesmente não deveriam fazer parte da decoração, visível a cidadãos que não professam tais cultos. Crenças são personalíssimas, e o estado é impessoal.
Não era nem para ter patrocínio de empresas estatais a clubes de futebol, pois em torno deles se criam místicas incompatíveis com a laicidade do estado. Caso absurdo recente foi o patrocínio da Eletronorte, uma estatal sem concorrente e, portanto, sem necessidade de propaganda para disputa de mercados, patrocinar o futebol do Vasco da Gama atendendo a pedido do governador Sérgio Cabral, que por acaso é vascaíno. O caso do Vasco é um caso mais explícito, mas já houve patrocínio da Petrobrás ao Flamengo, e de outras empresas públicas a outros clubes. Isso, à luz da lei, deveria ser proibido, pois significa abuso ao princípio constitucional da impessoalidade do estado.
Concessão de rádio e TV a grupos religiosos é outra aberração, pois fere até a lei das comunicações, que proíbe o uso dos meios concedidos para finalidades religiosas e partidárias. Políticos com rádio e TV é só o que tem, mas também é proibido por lei. Quem vai mudar isso? Sarney, que tem a Globo no Maranhão? Collor, que tem a Globo em Alagoas?
O interessante é como o estado se curva diante da intolerância religiosa. Ontem o primeiro-ministro do Paquistão, depois de uma manifestação de apoio ao criminoso que matou o governador por motivos religiosos, disse que o governo não fará mudanças na lei da blasfêmia. E a ministra-chefe da Secretaria de Comunicação Social do governo Dilma, Helena Chagas, pelo Twitter, deu uma desculpa esfarrapada para justificar a ausência das peças simbólicas no gabinete de Dilma, dizendo que o crucifixo era de Lula, e a Bíblia estava na sala ao lado.
Esperava que Dilma fosse fazer o que a Folha disse : tirar os símbolos de lá, a bem do cumprimento da Constituição Federal e em respeito à ampla liberdade de culto, sem ofensas a qualquer facção religiosa, simplesmente cumprindo o que os cidadãos brasileiros de todos os cultos botaram na lei para uma convivência civilizada.
Se a Folha faz o papel de destruir Dilma usando qualquer ferramenta que possa fazer estrago, não cabe a Dilma ficar cedendo, mas afirmando que, apesar dos acordos de submissão que fez ao longo da campanha, fará cumprir a lei. Se não tiver a coragem de assumir a defesa da Constituição e do estado, Dilma acabará na fogueira que construirá aos seus pés a cada concessão aos ataques sectários da mídia.
segunda-feira, 10 de janeiro de 2011
Dilma : a Biblia, a cruz e a fogueira
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