sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Bulgária : A tragédia do tsunami capitalista







Desta viagem à Bulgária muitas questões ficarão sem resposta. É estranho falar em buscar entender os problemas em viagem de turismo, mas isso faz parte dos objetivos do investimento que estamos fazendo. Se é para ficar só no lindo e maravilhoso, a gente faz um "city-tour" , bate um monte de fotos, compra souvernirs e vai embora, sem agregar nada ao próprio conhecimento. Nossos relatos não se limitarão a mostrar as aparências, mas tentarão buscar, mesmo que superficialmente, explicar as realidades vistas. Se é para fazer o que todos fazem, podemos ficar em casa vendo na TV o National Geographic e os canais de viagens.


Aparentemente, esta é uma terra do "já teve", como a gente costuma falar de lugares onde houve alguma prosperidade e o que se vê é decadência em todos os sentidos. Há ilhas de prosperidade em meio a um oceano de dificuldades que pode ser notado tanto em Sófia como no interior. Muito normal num país capitalista de terceiro mundo como o Brasil, mas estranho num país europeu com mais de 2.000 anos de história, que já passou por uma experiência dita socialista. Quando caracterizo como "dito socialista" ou "dito comunista" é porque foi algo que teve características de sociedades igualitárias, com sérios desvios políticos e práticos.
Essa tendência não tinha ficado muito clara na visita à segunda cidade do país, Plovdiv, mas ontem, indo para o Monastério de Rila, mais ao sul de Sófia, ficou patente: fábricas e mais fábricas fechadas e sucateadas, equipamentos largados ao tempo, prédios residenciais recentes, de menos de 50 anos, sem qualquer manutenção.Prédios públicos abandonados e pessoas nitidamente pauperizadas.

As fotos não conseguem mostrar a extensão do que vimos em 4 pequenas cidades e áreas rurais onde andamos. Não chega a ser a imagem de algumas regiões do Brasil, onde as pessoas nunca tiveram nada e a paisagem é de precariedade, mas de cidades-fantasmas.
A origem do problema está na transição do sistema de planificação para o de mercado, ocorrido com maior intensidade na década de 90 do século passado. A Bulgária é um dos países europeus de menor população, e tem áreas com problemas climáticos, como a seca. Na segunda guerra alinhou-se aos nazistas (Tzar Bóris III), e acabou invadida pelas tropas da União Soviética. Ao final da guerra, as superpotências dividiram o mundo e a Bulgária ficou sob influência soviética. O Tzar foi deposto, e instalou-se um regime de partido único, nos moldes do estalinismo, que durou cerca de 5 anos, até a morte de Stalin em 1953. A partir daí, o comando do país coube a Todor Jivkov, líder comunista, que governou até o colapso do regime dito socialista em 1989.
Nesse período houve intensa industrialização no país, e melhoria considerável da qualidade de vida da população, com a planificação da economia e a destruição da anarquia do sistema de mercado. Fábricas foram criadas, essas que agora vemos em franco abandono. Terras foram expropriadas e coletivizadas em cooperativas, com mecanização, permitindo a melhoria da produção de alimentos. Cidades planejadas, que lembram Brasília em termos de distribuição dos eapaços urbanos, surgiram em apoio à concentração das populações em áreas do campo e da cidade.
Isso está na pouca literatura disponível na internet, e não conseguimos relatos consistentes, pela dificuldade de comunicação. Ouvimos referências nostálgicas, do tipo "a gente era feliz e não sabia", e outras, odiosas em relação à ditadura dita comunista. O pouco que encontramos de material dessa época está no urbanismo pós-guerra, sem monumentos ou símbolos que caracterizem o período. Se houve alguma coisa, passaram a borracha. Não vimos nada sequer com uma foice e martelo. Nem uma estátua de Lênin ou similar.

A Bulgária aparentemente soube fazer a primeira parte do programa econômico socialista, racionalizando os meios de produção, atingindo bons resultados nos primeiros anos, mas cedeu à burocratização política, à falta de inovação, à falta de motivação e principalmente à corrupção, fatores que solaparam as experiências socialistas em diversos países, levando ao declínio que a partir sentido já em 1981 com os movimentos sociais explodindo em toda parte, como o feito pelo sindicato Solidariedade, na Polônia.

O socialismo burocratizado, anacrônico, ditatorial e corrupto não resistiu, mas no seu lugar, ao invés do avanço no modelo de planificação e de democratização direta, que poderiam ter acabado com a ineficiência e a burocratização, cederam, também por força de interesses do capital e da sua poderosa propaganda, à economia de mercado. Essa foi apontada como panacéia para curar todos os males e seduziu grandes setores da população, em especial a urbana. No rastro do tsunami capitalista que varreu os países ditos socialistas e chegou a ser apontado como o "fim da história" num livro do economista Francis Fukuyama, algumas pessoas e grupos emergiram e a grande maioria teve as perdas que hoje podemos ver.

Quem são os capitalistas de hoje nesses países? Quem acumulou durante o regime socialista, onde em tese não havia ricos? De onde surgiram as poderosas máfias que têm importante papel na corrupção política de hoje? Quem tinha privilégios no regime dito comunista? A resposta passa pelos amigos do poder. Eles eram os poderosos, e agora são abertamente ricos e poderosos.

Com a mudança no cenário político, o fim do regime de partido único, as eleições e a restauração do capitalismo, a Bulgária entrou em forte crise econômica. O remédio adotado praticamente matou o paciente: forte privatização, liberalização para o capital estrangeiro, submissão ao FMI e à Comunidade Européia, eliminação dos benefícios sociais, redução do estado, reforma agrária reversa (devolução das terras aos antigos proprietários), etc.

Apesar de ter conseguido crescer por alguns anos, afinal, do fundo do poço para cima os indicadores sempre parecem generosos, o resultado é o que vemos hoje. A adoção do Euro como moeda, adiada por várias vezes, pode parecer simbólica, já que a moeda local, o Lev, foi indexada ao marco alemão logo que adotaram a economia de mercado (forma de atrair capitais) e agora está fixa no valor de 1,96 Lev por Euro.

Dependente de capitais estrangeiros, com a economia desorganizada pelo capital, a Bulgária volta a ser um país pobre com fortes injustiças econômicas e sociais. Ainda não entendemos como as pessoas pauperizadas sobrevivem. Deve haver agum resíduo de seguridade social. Essa foi a parte ruim desta viagem: ver um povo bom, culto, educado, descer ladeira abaixo nas suas conquistas por causa de burocratas corruptos que desvirturam a proposta socialista e pelo canto da sereia do capitalismo selvagem.

Um comentário:

  1. Gostei, Branquinho, muito simplesmente pedagógica. Vou distribuí-la nas minhas listas. Obrigado. Zilton Tadeu . Não penso que meu comentário seja merecedor ou instigador de outro comentário, mas se isto acontecer, e considerando que tudo o que PUBLICO é PÚBLICO, peço que seja feito como entre pessoas de BEM, como sempre solicito: com nome e e-mala.

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