Agora Marx deve ter se sentado na cova. Primeiro, o economista americano Nouriel Roubini diz que ele estava certo sobre as contradições do capitalismo que podem destruí-lo. Agora, a revista Forbes, que idolatra milionários, vem com esse papo de "guerra de classes". Acho que a gente perdeu algum capítulo dessa estória toda, porque boa parte da esquerda já se esqueceu da luta de classes. Segue a tradução do artigo publicado pelo Blog Viomundo:
Forbes: A iminente guerra de classes
CRISE GLOBAL | A iminente guerra de classes
tradução de Alexandre da Rocha, no blog do Lotsemann
John Kotkin, para a revista “Forbes”
Os distúrbios que atingiram Londres e outras cidades inglesas na semana passada têm potencial para ir além das Ilhas Britânicas. A fúria de classes não é exclusiva da Inglaterra; na verdade, representa parcela de um crescente abismo mundial entre classes que ameaça enfraquecer o próprio capitalismo.
O enrijecimento das divisões de classe vem ocorrendo há uma geração, inicialmente no Ocidente mas cada vez mais em países onde o desenvolvimento está acelerado, como a China. O aumento do fosso entre as classes radica-se na globalização, que tem tirado empregos do proletariado e agora também da classe média; na tecnologia, que permite aos indivíduos e companhias mais ligeiros e ricos mudar de operações em grande velocidade para qualquer local; e a secularização da sociedade, que minou os valores tradicionais sobre trabalho e família que serviram de fundamento ao capitalismo de base desde os seus primórdios.
Todos estes fatores podem ser observados nos motins da Grã-Bretanha. Raça e relações policiais tiveram seu papel nos episódios, mas entre os motineiros havia muito mais do que minorias ou gângsters. Como apontou o historiador britânico James Heartfield, os participantes dos distúrbios espelham uma falha mais ampla no “sistema social” do país, especialmente no “sistema de trabalho e recompensa”.
Nas primeiras décadas do século 20, jovens das classes menos favorecidas poderiam aspirar a empregos na vibrante economia industrial do Reino Unido e, mais tarde, no crescente setor público, financiado, em grande medida, tanto pelos lucros da City [centro financeiro de Londres] quanto pelo crédito. Hoje, o setor industrial é uma sombra do que foi. A crise financeira global enfraqueceu o crédito e a capacidade do governo de bancar o Estado de Bem-Estar Social.
Com menos oportunidade de trabalho que tenha sentido e valha a pena — particularmente no setor privado — as perspectivas de sucesso das classes trabalhadoras foram reduzidas a carreiras essencialmente fantásticas no entretenimento, no esporte ou, com demasiada frequência, no crime. Entrementes, os partidários do Primeiro-Ministro David Cameron localizados na City podem ter se aproveitado de pacotes de resgate vindos do Banco da Inglaterra, ao passo que desapareceram as oportunidades de ascensão social, ainda que modesta, para a maioria das demais pessoas.
A grande noção britânica da ideia de trabalhar duro e ser bem sucedido com base na determinação pura — ideia que está inculcada nas antigas colônias do Reino Unido, como os EUA — foi, em larga medida, desvalorizada. Dick Hobbs, especialista da Escola de Economia de Londres, diz que esta desmoralização atingiu de forma mais específica os londrinos brancos. Muitos imigrantes prosperaram trabalhando com engenharia e construção civil e também na prestação de serviços às elites endinheiradas da capital.
Hobbs, um nativo da East London, sustenta que o ambiente industrial tinha grandes vantagens, a despeito de suas deficiências. Ele tinha foco principal na produção e recompensava a acumulação de competências. Por outro lado, de acordo com algumas estimativas, a “indústria do ‘pub and club’” tem sido a maior fonte de geração de empregos no setor privado da Londres pós-industrial, um fenômeno ainda mais presente em regiões menos prósperas. “Há regiões de Londres onde os pubs são a única atividade econômica”, observa.
Hobbs afirma que a atual cultura “pub and club”, com seu “potencial violento e ênfase deliberada no aspecto físico da existência”, não faz mais que celebrar o consumo até, não raro, ao ponto do excesso. Talvez não seja surpresa que os saques tenham impelido o caos.
Qual é a lição a se extrair disto? Os ideólogos não parecem ter as respostas. A repressão aos criminosos — resposta preferida pela direita britânica — é necessária mas não aborda os problemas fundamentais do desemprego e da desvalorização do trabalho. De modo similar, a panaceia favorita da esquerda, a ressurreição do Estado de Bem-Estar Social, deixa de atacar a questão central da redução das oportunidades de progressão na escala social. Há agora pelo menos 1 milhão de jovens desempregados no Reino Unido, mais do que em que qualquer outro momento em uma geração, e a pobreza infantil na Londres interior, mesmo durante o regime do ex-prefeito Kenneth Livingstone, o “Ken Vermelho”, na década passada, permaneceu nos 50% e pode muito bem estar pior do que isto agora.
Esta questão fundamental de classe não está presente apenas na Grã-Bretanha. Tem havido várias irrupções de violência urbana, inclusive na França e na Grécia. Pode-se esperar mais ocorrências em países como Itália, Espanha e Portugal, que agora terão de impor a mesma espécie de medidas de austeridade adotadas em Londres pelo governo Cameron.
E quanto aos Estados Unidos? Muitas das mesmas forças estão em ação aqui. O desemprego juvenil atualmente passa de 20%; em Washington, está acima dos 50%. Entre as cidades particularmente vulneráveis estão Los Angeles e Nova Iorque, as quais estão cada vez mais divididas entre ricos e pobres. Cortes em programas sociais, embora necessários, podem tornar as coisas piores, tanto para as minorias de classe média que conduzem estes programas quanto para os pobres pelos quais são responsáveis.
Um possível prenúncio desta desordem, nota o autor Walter Russell Mead, pode ser o recente aumento da criminalidade ocasional, não raro de matiz racial, em cidades como Chicago, Milwaukee e Filadé
De qualquer modo, com mais de 14 milhões de desempregados no país, as perspectivas não são exatamente promissoras para as classes baixa e média dos EUA. Esta dor é sentida em toda parte, sobretudo por trabalhadores mais jovens. Segundo uma pesquisa da Pew Research, cerca de 2 em cada 5 americanos estão desempregados ou fora da força de trabalho, a maior proporção em três décadas.
Perspectivas limitadas — aquilo que muitos especialistas saúdam como o “novo normal” — agora defrontam ampla parcela da população. Um indício: a expectativa de ganhar mais dinheiro no ano que vem caiu para o menor nível em 25 anos. Os salários vem caindo não apenas para os trabalhadores com ensino médio, mas também para aqueles com ensino superior. Mais de 43% dos brancos sem educação universitária se queixam de que estão descendo na escala social.
Diante disto, é difícil ver outra tendência no ressentimento de classe nos EUA que não seja a de crescer ao longo dos anos. O presidente do banco central, Ben Bernanke, afirmou ainda em 2007 que ele estava preocupado com o aumento da desigualdade no país, mas as suas políticas simpáticas a Wall Street e às corporações não lograram melhoram a economia cotidiana.
As probabilidades de um maior conflito de classes são grandes mesmo na China, onde a desigualdade social está entre as mais graves do mundo. Não chega a surpreender o resultado de uma pesquisa realizada pela Academia de Ciências Sociais de Zhejiang: 96% dos entrevistados “tem ressentimento contra os ricos”. Enquanto nos EUA membros do Tea Party e esquerdistas deploram o capitalismo de conspiração do regime Bush-Obama-Bernanke, o proletariado e a classe média chineses enfrentam uma classe dominante hegemônica composta de funcionários públicos e capitalistas ricos. O fato de que isto se dê sob o pálio de um regime supostamente marxista-leninista é tão irônico quanto obsceno.
Esta guerra de classes em crescimento gera conflitos políticos mais intensos. À direita, o Tea Party — assim como pequenos partidos de protesto europeus ora em ascensão em paragens tão improváveis quanto a Finlândia, a Suécia e a Holanda — cresce sobre a convicção de que a estrutura de poder, as corporações e o governo trabalham juntas para prejudicar a grande classe média. A militância de esquerda tem também um viés de classe, uma vez que os progressistas vão sendo alienados pelas políticas aristocráticas da administração Obama
Vários são os conservadores — nos EUA como no resto do mundo — que rejeitam o imenso papel das classes. Para eles, riqueza e pobreza ainda refletem níveis de virtude, e as barreiras à ascensão social são apenas um inibidor leve. Contudo, a sociedade moderna não pode se conduzir de acordo com o credo individualista de Ayn Rand; para serem críveis e socialmente sustentáveis, sistemas econômicos precisam dar resultados para a ampla maioria dos cidadãos. Se o capitalismo não puder fazer isso, é de se esperar mais episódios de violência e maior alienação política — não só na Grã-Bretanha mas em todos os principais países do globo, inclusive os EUA.
http://www.forbes.com/sites/joelkotkin/2011/08/15/u-k-riots-global-class-war/
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