terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Boate Kiss : Quantos culpados?

Hoje vi na TV alguns depoimentos de vítimas do incêndio na Boate Kiss, em Santa Maria, além da entrevista coletiva de autoridades da Polícia Civil e Ministério Público. Também mostraram uma planta da boate e informações sobre problemas com as instalações que transformaram a boate numa câmara de gás.

Num depoimento um ex-funcionário falava que a boate não tinha exaustão eficaz. Creio que dificilmente onde não há fiscalização de muita coisa, em especial da lotação, muito menos haverá da qualidade do ar, levando junto a proibição de fumar em lugares fechados. O ar já devia estar viciado, e se havia exaustão, não realizava as trocas de ar previstas em norma, mesmo com o sistema de ar condicionado projetado para atender a uma carga de muito menos pessoas que lá estavam.

Considerando-se que o proprietário colocou extintores mais baratos, que não funcionaram, e que o vocalista usou fogos de artifício feitos para uso em lugares abertos para não pagar muito mais pelos específicos de lugar mais caro, pode-se inferir que não havia boa exaustão para não gastar muita energia com o ar condicionado. Caso houvesse, boa parte da fumaça tóxica teria sido expulsa do ambiente.

Outro dado importante é que a boate foi intimada pelo Ministério Público a fazer uma reforma para corrigir a poluição sonora. O projeto de adaptação previa o uso de isolantes inertes, um sanduíche de gesso com recheio de lã de vidro, o que seria incombustível e possivelmente foi o que o Corpo de Bombeiros viu na inspeção há quase um ano. Depois botaram mais um isolante, de espuma que expeliu gás tóxico quando pegou fogo, que foi a causa da maioria das mortes.

As luzes parecem ter sido apagadas, e não havia iluminação de emergência nem indicações da saída. Como apenas os banheiros estavam com as luzes acesas, muitas pessoas correram para lá achando que era a saída, e morreram porque ficaram longe demais para retornar sem intoxicação.

Os seguranças fizeram um cordão em frente á porta para impedir a saída das pessoas em pânico, obrigando ao pagamento da comanda de consumo. A boate já havia perdido na justiça uma ação de uma pessoa que foi, na prática, mantida em cárcere privado, porque perdeu a comanda. Também há relato de gente que passou mal e desmaiou, em outra ocasião, e não pôde sair sem que outras pessoas pagassem a sua despesa.

O Corpo de Bombeiros sabia que a casa estava irregular desde agosto do ano passado, mas nada fez para forçar os proprietários a regularizar as pendências. Bastava ameaçar cassar a licença que rapidamente fariam os acertos. Por que isso não aconteceu?

A Prefeitura disse que tudo está regular, e que quem tem competência para fiscalizar riscos de incêndio é o Corpo de Bombeiros. O problema da superlotação da boate, que pelos relatos parecia ser uma constante, nunca mereceu uma fiscalização da prefeitura.

Noutra matéria soube que os proprietários de casas noturnas preferem o sistema de comanda, e não o de ficha no caixa, porque o cliente perde a noção de quanto está gastando e acaba consumindo mais. Quando se compra fichas tem-se a noção de quanto está sendo o gasto. Essa é a origem das arapucas na saída, dos seguranças para fechar portas, dos cárceres privados, das longas filas de espera para sair, etc.

Numa reportagem sobre as instalações de casas noturnas mostrou-se que os proprietários obrigam os arquitetos a fazer projetos com entrada e saída única, mesmo onde há condições de fazer uma solução melhor, para melhorar a fiscalização do pagamento das comandas. Será que há arquitetos ou engenheiros que passem por cima das normas sobre segurança contra incêndio para satisfazer os comerciantes?

No caso da Boate Kiss, além de tudo os percursos eram longos demais, fora de norma, o que conjugado com a falta de orientação de saída em caso de incêndio contribuiu para mais mortes. E a falta de ventilação natural ou de janelas, que pudessem ser abertas ou quebradas para facilitar o escoamento da fumaça?

O fato é que o caso da Boate Kiss virou assunto mundial e nossa colonizada mídia aproveitou para crucificar-nos a todos, como se não houvesse outros casos em países ditos desenvolvidos. Apropriou para nós a pecha de ter instalações inseguras, que o mundo estaria preocupado com a segurança na Copa e na Olimpíada (seria melhor se fosse com a nossa própria segurança), e já buscam formas de trazer desgaste aos de sempre.

Em resumo:  uma tragédia no Brasil nunca tem um só responsável. Há uma conjugação, uma cadeia de irresponsabilidades, que dificultam a atribuição de responsabilidades. O comerciante queria ganhar dinheiro, lotou a casa além do limite e fechou a porta. O vocalista usou fogos de artifício em lugar fechado, de exaustão ruim, cercado de materiais inflamáveis que não deveriam estar lá. O extintor não funcionou. A luz apagou. Ninguém fiscalizou a superlotação nem as instalações. E quem promoveu o evento, não sabia que uma festa para seis cursos da universidade junto com o público habitual não levaria à superlotação? O jogo de empurra já começou.

Para mim, o grande responsável é o proprietário, porque não deveria ter deixado haver o tal show pirotécnico (já havia sido feito antes no mesmo local pela mesma banda), permitiu a superlotação, instalou materiais inflamáveis, bloqueou as saídas e, de alguma forma, burlou as posturas municipais e dos bombeiros, conseguindo que a casa não fosse interditada. Homicídio doloso, porque a consciência das irregularidades aponta para o risco de um grave acidente, desprezado em busca de lucros. A responsabilidade do vocalista seria acessória, mas a punição deve ser exemplar para que noutros lugares do país outros sem-noção não repitam isso. 

Um comentário:

  1. Ótimo post, infelizmente daqui um tempo, pouco por sinal, tudo estará esquecido e situações assim se repetirão.

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